Depois de receber quatro indicações ao Globo de Ouro (e ter ganhado estatueta pelo roteiro), Os 7 de Chicago (The Trial of the Chicago, EUA, 2020, 129 min.), de Aaron Sarkin, surge como uma das apostas do Oscar 2021. Ele recebeu seis indicações – a cerimônia de premiação acontece dia 25 de abril. Composto de enorme elenco (que poderia produzir irregular nível de interpretação), o filme alcança incomum homogeneidade nas performances – mérito dos atores e do diretor. Destaque para Sacha Baron Cohen, eficaz na criação de hippie contestador e irreverente, Frank Langella que brilha no papel do juiz Julius Hoffman, e Eddie Redmayne, intérprete de Tom Hayden, ativista ambíguo que gera constantes tensões dramáticas.
O filme também se sustenta sobre consistentes alicerces como o roteiro, a direção e a edição. Aaron escreve roteiro a partir de história real: grupo de sete homens se reúne para viagem a Chicago, em 1968, onde acontecerá a convenção do Partido Democrata, a fim de protestar contra mais uma convocação de soldados para lutar no Vietnã. São muitos os pontos de vistas: os ativistas (acrescente-se um oitavo, o representante do grupo Os Panteras Negras), o governo de Lyndon Johnson e seu representante no tribunal, o juiz parcial que comanda o processo, a polícia, a prefeitura da cidade, os jovens reunidos na praça. Trata-se de ano efervescente no mundo inteiro, marcado por reivindicações de vertentes diversas. Quem desconhece a história poderia se confundir no excesso de informações. Saber destrinchar o envolvimento de cada facção no episódio de Chicago, dar-lhe unidade, organizar os acontecimentos e transformá-lo em filme de duas horas, eis um dos méritos do roteiro Aaron.
Dirigir o próprio texto, em princípio, facilita o trabalho. Entretanto, ter domínio sobre o roteiro não garante a qualidade. Transformar em ação todos os eventos trazidos pela história, dar voz aos muitos personagens e consistência à narrativa para compor um todo com um mínimo de fidelidade e, por fim, obter bom produto audiovisual, eis outro mérito de Aaron. Juntar as inúmeras informações na complexidade de um filme de tribunal cujo rigor das regras dominadas por inevitáveis depoimentos e intervenções de advogados e juiz e que podem desinteressar o espectador tampouco é tarefa fácil. Daí a necessidade de edição ágil e acelerada (comandada por Alan Baumgarten) que dá o ritmo intenso solicitado pela história e resulta em narrativa dinâmica e atraente.
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Não bastassem as qualidades técnicas, o longa sintoniza marcas dos anos 1960 com o grave momento pelo qual passa o mundo. Na tela, em forma de ficção, temos a evocação da luta pelos direitos civis e a mudança do comportamento, nas quais agentes tolhidos pela fala e ação conseguem voz e se impõem. Nas mídias que, hoje, espalham notícias (verdadeiras ou não) assistimos ao reaparecimento do fantasma dos preconceitos. Estão lá, como estão aqui, os sofridos enfrentamentos de negros, mulheres, gays etc. A cena de impedimento do representante dos Panteras Negras, Bobby Seale (Yahya Abdul-Mateen II), de se manifestar no tribunal é assustadora. Assim como a que configura tentativa de estupro perpetrada por dois rapazes contra uma jovem no meio da manifestação.
O mesmo se pode dizer dos hippies (além de Abbie Hoffman vivido por Sacha Baron Cohen, há Jerry Rubin interpretado por Jeremy Strong), tidos como drogados e vagabundos e, hoje, representados por gama de personagens malvista pela sociedade conservadora por conta de comportamentos tidos como fora do padrão. Trazer à luz temas que foram objetos de luta, e pareciam solucionados, e observarmos que não, pelo contrário, estão violentamente diante dos nossos olhos todos os dias, faz crescer a força de um filme que remete ao passado para tentar entender o presente. Mais que entender, ele quer preservar e fortalecer o que nós, humanos, temos de digno e rechaçar a repetição do que é ignóbil, indecoroso, inaceitável.
Disponível na Netflix
João Nunes é jornalista e crítico de cinema