As maiores vítimas da guerra em Israel são, obviamente, as milhares de pessoas mortas nos dois lados do conflito. Nesse momento histórico, a guerra em que tantos interesses estão envolvidos representa, também, mais um duro golpe na luta contra as mudanças climáticas, que continuam fazendo suas vítimas em todo planeta, como demonstraram os últimos episódios de temperaturas extremas, com fortes secas ou gigantescas enchentes.
O enfrentamento das mudanças climáticas entrou definitivamente na agenda pública global, de governos, empresas e sobretudo sociedade civil. Uma luta dura, que movimenta múltiplos atores, cada um com sua bandeira. De forma geral, os progressos têm sido muito modestos, se é que existem.
Como já temos observado neste espaço, são muitos relatórios indicando que o planeta não atingirá as metas do Acordo de Paris, de 2015, segundo as quais a temperatura média global não deveria subir em mais que 1,5 grau nas próximas décadas.
A guerra na Ucrânia, com a invasão promovida pela Rússia, já foi um golpe e tanto nesse embate que tem se arrastado ano após ano, enquanto ano após ano são quebrados os recordes de temperatura. Uma das consequências dos combates em território ucraniano foi a elevação dos preços dos combustíveis e, de forma paralela, a paralisação em muitas negociações sobre a emergência climática.
Com preços elevados dos combustíveis, as cinco grandes do setor tiveram lucros recordes em 2022, de mais de US$ 200 bilhões. Apenas a Exxon, sediada no Texas, registrou um lucro superior a US$ 50 bilhões em 2022. Algumas estimativas indicam que a indústria do petróleo como um todo teve um lucro acima de US$ 400 bilhões no ano passado.
É uma montanha de dinheiro e é claro que essas grandes corporações e seus acionistas não têm interesse algum na chamada descarbonização da economia. No máximo, que ela seja adiada para o tempo mais longo possível.
Agora vem a guerra em Israel, na região onde mais se produz petróleo no mundo. É muito provável que o ciclo se repita, que outros lucros estratosféricos das gigantes petrolíferas ocorram e que os esforços pela descarbonização sejam mais e mais adiados.
Tudo isso se refletirá na COP28, a próxima Conferência do Clima das Nações Unidas, que acontece em Dubai, Emirados Árabes, de 30 de novembro a 12 de dezembro. A própria escolha de Dubai para sediar a COP deste ano foi apontada como o resultado do lobby dos gigantes dos combustíveis fósseis em prolongar o quanto der a exploração de petróleo, carvão e gás.
Dubai integra o clube dos grandes produtores de fósseis e mais uma vez, provavelmente, haverá frustração no sentido de maiores avanços nas negociações climáticas. A expectativa é de forte presença de lobistas das grandes corporações, buscando anular a pressão dos manifestantes de grupos ambientalistas e cientistas de vários países.
De fato, o lobby que tenta negar as evidências das mudanças climáticas provocadas pelas ações humanas continua firme e forte.
O monitoramento feito pela organização OpenSecrets, dos Estados Unidos, aponta que entre 2008 e 2022 a indústria norteamericana de petróleo e gás gastou mais de 2 bilhões em lobby.
Um episódio recente envolveu outra gigante do setor, a Shell, que estaria investindo milhões para que criadores de jogos on-line multipliquem produtos promovendo os combustíveis fósseis, segundo a organização Media Matters of America, como informou o jornal inglês The Guardian.
O alvo é a população jovem internacional que, segundo pesquisas regulares de opinião, é cada vez mais crítica aos combustíveis fósseis. Como se sabe, uma das principais ativistas jovens contra os fósseis é a sueca Greta Thunberg que, aliás, foi presa na manhã desta terça-feira, 17 de outubro, em Londres.
Greta foi levada pela polícia quando participava de uma manifestação em frente a um hotel de luxo na capital britânica, onde está sendo realizado um encontro de grandes players da indústria de fósseis global. O encontro da organização autodenominada Fórum de Inteligência Energética será concluído com a entrega do batizado pelos críticos de “Oscar dos Fósseis”, aos nomes e marcas que se destacaram no ano nesse ramo cada vez mais rico, enquanto o planeta está cada vez mais quente.
Os sinais são claros. O enfrentamento contra as mudanças climáticas ainda vai durar muitos anos.
A COP28 em Dubai será mais um alerta de que as negociações pela descarbonização e avanço substantivo das energias renováveis dependerá essencialmente da cidadania global cada vez mais organizada e ativa. As conversas no âmbito de governos e corporações sinaliza para um beco sem saída.
A guerra de Israel deve, infelizmente, influenciar negativamente nos esforços que parecem começar sempre do zero, enquanto a casa comum de todos arde.
José Pedro Martins é jornalista, escritor e consultor de comunicação. Com premiações nacionais e internacionais, é um dos profissionais especializados em meio ambiente mais prestigiados do País. E-mail: [email protected]