Sabemos da grandeza, importância e complexidade do SUS. Neste período de pandemia ficou claro para toda sociedade brasileira sua absoluta necessidade. Sempre dizemos e repetimos: sem o SUS este momento seria a “barbárie”. Sabemos ainda que o SUS tem uma organização “piramidal” onde na base da pirâmide estão todas as ações ligadas a atenção básica e no topo da pirâmide estão todos os procedimentos de alta complexidade com destaque aos transplantes, às cirurgias cardíacas, neurológicas, neoplásicas etc., aos tratamentos quimioterápicos e radioterápicos dos tumores malignos, às hemodiálises dentre centenas de outras intervenções para diagnóstico, prognóstico e terapêutica. Distribuído através da pirâmide, todos os outros procedimentos especializados fundamentais a todas as linhas de cuidados oferecidas pelo SUS.
Trata-se, portanto, de um sistema hierarquizado, descentralizado e acessível a todos os cidadãos.
Faz parte ainda do SUS todo o sistema de vigilância em saúde, fundamental para a garantia da qualidade de produtos e serviços oferecidos à população. Neste contexto, como se colocam as universidades? Sem dúvida alguma, o papel das universidades para o SUS é nuclear. As universidades têm o papel contínuo de formar recursos humanos em todos os níveis (graduação, residência médica e multiprofissional e pós-graduação strictu senso – mestrado, doutorado e pós-doutorado) em quantidade e qualidade bem como desenvolver constante trabalho de pesquisas e inovação para o sistema.
Cabe ainda às universidades o ensino de extensão e reciclagem de todos os profissionais já graduados. As universidades atuam, ainda, em parceria com os entes federados federal, estadual e municipal, diretamente em todas as ações desenvolvidas pelo SUS. Com isto, as universidades cumprem o compromisso de formar profissionais de saúde com uma visão social de seu futuro trabalho. A formação dos profissionais de saúde é cada vez mais ampla e precocemente desenvolvida na rede pública de saúde. Temos visto, e isto é altamente desejável, alunos dos primeiros anos de formação em medicina, enfermagem, etc. atuando, sob supervisão docente e preceptores experientes, nas unidades básicas de saúde (UBS). Nestas unidades, o aluno terá contato, dentro do mundo real, com todas as necessidades que nossos cidadãos apresentem.
Terão a possibilidade de forjar sua personalidade profissional dentro de um ambiente que permitirá entender como nossa sociedade está organizada, suas mazelas e suas demandas.
Estar próximo da sociedade é fundamental para a criação de juízo crítico e adequado a nossa realidade. Dentro das universidades se ensina como entender e alcançar os três pilares de nossa profissão de saúde: a arte, principalmente aprendida durante o curso de graduação; o ofício, habilidades adquiridas principalmente durante a residência médica ou multiprofissional e aperfeiçoada ao longo da vida profissional e; a ciência, que deverá acompanhar o profissional durante toda a sua vida. Todo profissional de saúde deve estudar e se aperfeiçoar sempre!
As universidades são entidades de grande estabilidade nas várias sociedades através do mundo e devem ser as mais imunes às influências políticas ou de outras ordens estranhas a sua atuação. Eu costumo dizer que, talvez, apenas a Igreja Católica seja mais estável e perene do que as universidades. Na Europa temos várias universidades do século XIII, isto é, cerca de 300 anos antes do descobrimento do Brasil e que atuam em alto nível até hoje.
As universidades devem ser autônomas, onde os inúmeros pensamentos possam transitar livremente e onde o contraditório seja o grande combustível de sua evolução.
Em minha visão, a maior riqueza na ciência e nas relações humanas está nas interfaces. Quando pensamos diferente mas temos boa-fé e conteúdo nestas diferenças, podemos encontrar soluções mais completas e corretas. Assim deve ser sempre a universidade. Além disto, é impossível imaginar a saúde pública sem os hospitais universitários e de ensino. Os maiores e mais bem avaliados hospitais do País estão qualificados nestes grupos.
Quando olhamos para a realidade de Campinas, como poderíamos imaginar nossa saúde pública sem a Unicamp e a PUC e suas Uuidades de saúde. Sem falarmos de nossos hospitais com atuação no ensino como a Rede Mário Gatti (Mário Gatti e Ouro Verde), a Maternidade de Campinas, a Santa Casa, o Hospital Vera Cruz, a Beneficência Portuguesa, o Centro Infantil Boldrini, o Sobrapar, o Centro Médico, o Samaritano, o Madre Teodora, que oferecem programas de estágios e residências em suas dependências. Certamente, existem outras entidades, aqui não citadas e peço desculpas por isto, que também participam deste esforço de formar profissionais para o SUS e para o sistema complementar de saúde.
Durante a pandemia do SarsCov2, todos os hospitais foram fundamentais ao enfrentamento desta grave crise sanitária e também pelas parcerias que tiveram com o SUS municipal e estadual. Entidades privadas de ensino (universidades e faculdades) também são permanentes parceiras do SUS e desenvolvem seus projetos acadêmicos e pedagógicos, em parte, dentro de instalações públicas de assistência à saúde. São milhares de jovens em formação dentro do cenário do SUS em nossa cidade. É claro que isto aumenta nossa responsabilidade no sentido de oferecer a melhor estrutura, segura e confortável, e a melhor supervisão assistencial possível aos profissionais e consequentemente ao nosso cidadão.
Assim é possível ter o melhor ensino a nossos alunos em seus vários níveis de aprendizagem.
Esta é uma associação virtuosa onde todos ganham, mas principalmente os pacientes e a sociedade que encontram a juventude, a qualidade, a ciência e a humanidade nos atendimentos feitos pela rede SUS. Deste modo, podemos afirmar que o SUS está dentro de praticamente todo sistema educacional da saúde e que as universidades são parte integrante do SUS e fundamentais para a constante qualificação e aperfeiçoamento dos serviços prestados bem como na formação integral de seus alunos.
Carmino Antonio de Souza é professor titular da Unicamp. Foi secretário de saúde do estado de São Paulo na década de 1990 (1993-1994) e da cidade de Campinas entre 2013 e 2020