O frio é bom. Serve para esquentar. Assim como o calor é bom para esfriar. Tudo é muito bom à vida. Depende apenas de cada um aceitar a Natureza como ela é. Jogando conversa dentro computador é o que faço no momento. Não tenho a menor ideia sobre o que escrever para atormentar o raro leitor. Vou pinçando palavras e fazendo obras como um cabrito: tudo em grãos, miúdos, mas que para o bom caprino é necessário. Não, não sou de capricórnio: sou libriano que, segundo dizem os os horoscopistas, são bons para perdoar. Mas bem me lembro de um micro samba que fiz há muitos anos: Haja perdão pra lhe dar/ Eu já tentei mas não posso dar/ Sou eu quem peço perdão/ Por não poder lhe perdoar.
Ninguém tem culpa de nada, penso eu. E assim o perdão já está dado em seu estado natural de culpa.
Chato mesmo é ficar indignado com gente que faz maldade pelo prazer da ganância, patrão que não paga salário, caloteiro de botequim, político que não cumpre promessa. E devo dizer que na paixão todos estão perdoados: a moça que abandona o namorado por outro, por exemplo. Mesmo porque não existe traição no amor. Apenas o exercício da fidelidade por um novo amor. E assim a vida segue e seguirá com todos os seus temores e coragens existenciais.
Viver é um ato natural de coragem. A gente sai da cama, põe água para ferver e nem pensa se o botijão de gás vai explodir. Ou se um avião vai entrar pela varanda do apartamento.
Simplesmente fazemos o café e reclamamos do frio ou do calor. E o trânsito está truncado por conta de um semáforo quebrado e a gente se aguenta como pode. Mas as pessoas que passam pela calçada são artistas da vida urbana e o melhor a fazer é admirá-las em suas vidas passantes, umas com roupas sóbrias, outras bem coloridas, e, é claro, sorrir ao ver um velho de bermuda xadrez e calçando meias longas para esquentar as canelas. Ele pouco se importa com a moda. Mas o gerente do banco com a sua gravata cheia de patinhos é um acinte. Felizmente, só entrei no banco para pegar uns trocados e sigo em frente.
A vida da gente não é só nossa. Ela é também parte de um amigo, de um parente, de um amor. E também um pedaço do maior inimigo. Ou desafeto. Quando vejo na televisão que fulano ou beltrano morreu lembro dos meus mortos mais próximos. E os 555 mil brasileiros mortos pela Covid-19 fazem parte do meu luto nacional.
Vários deles, é claro, eram da minha amizade ou conhecimento de família. Mas a dor não distingue distanciamento.
O fato é que eles se foram e nos deixaram órfãos de palavras, de um cumprimento, de uma carta ou bilhete. A morte sempre nos diminui um pouco, segundo um poeta escreveu. E assim a nossa alma se amarfanha e vai diminuindo até o dia final.
Mas bem antes que tudo aconteça, um bardo escreve um verso e um compositor escreve uma canção.
E as águas serenas da Lagoa do Taquaral seguem a sua sina perenal de apenas resistir e aceitar as razões da Natureza. E assim o Rio Atibaia caminha para os braços amigos do Rio Piracicaba e o mar agradece pelas boas águas.
Sinto frio e agradeço a água quente que me lava o corpo e ajuda a preparar o meu alimento. E agradeço ao gelo que protege o meu alimento do dia seguinte. E assim jogo uma conversa fora para aguardar a chegada da minha companheira. E ela vai chegar como o Sol das minhas manhãs, com as mãos cheias de sacolas de carinhos. E assim vou adormecer e acordar para preparar o seu chá, acompanhado por um farto naco de pão de nozes. E será mais um dia de vida e paixão. E mais nada peço à Natureza. E acho que não joguei tanta prosa fora.
Zeza Amaral é jornalista, escritor e músico