As fogueiras, o cheiro do milho cozido e as bandeirolas que formam correntes coloridas bem acima das nossas cabeças, anunciam a chegada de Junho. O mês da pipoca, canjica e bolo de fubá refresca a memória e abraça a criança interior de qualquer um que propositalmente já se vestiu com roupas remendadas, usou chapéu de palha e pintou o rosto para dançar quadrilha na escola. Gosto de pensar em junho como o mês das cores, não apenas pelas bandeirolas, mas também pelo vermelho pulsante da maçã do amor, os vestidos coloridos, o xadrez destacado na festa caipira e outros significados importantíssimos.
Do dia dos namorados às celebrações religiosas, o mês celebra o dia do meio ambiente e até o dia do aperto de mão, em meio a tantas comemorações me pergunto: qual a mais importante? É inevitável que para cada pessoa exista uma resposta diferente.
Hoje, quero compartilhar a importância das cores de junho (para além das cores das bandeirolas), convite para refletirmos sobre nossas ações (que estão além do dia do meio ambiente), quero falar sobre amor também (mas não sobre o do dia dos namorados).
Na década de 60 existia um bar nos Estados Unidos onde pessoas LGBTQIA+ se encontravam, o nome do espaço era Stonewall Inn. Pessoas que não se encaixavam no padrão sofriam muita repressão policial e social, por exemplo: quem não vestisse ao menos três peças de roupas “apropriadas ao seu gênero” poderia ser preso nas ruas de New York e a venda de álcool para estabelecimentos considerados gays era proibida.
A máfia italiana aproveitou a situação, um dos integrantes pagava até 1200 dólares para não ter fiscalização no Stonewall e vendia bebidas com preços muito altos- e assim ganhava cada vez mais dinheiro.
Numa batida policial em 1969, o bar foi invadido e os frequentadores receberam voz de prisão, naquele dia 28 de junho uma revolta aconteceu: cansadas da opressão, as pessoas reagiram e resistiram.
A luta não começou ali, mas ganhou potência e os atos ganharam intensidade. Gays, lésbicas, pessoas trans lançaram os objetos que encontraram contra os policiais que frequentemente os coagiram nas ruas.
Um ano depois, em 1970, aconteceu uma passeata para que fosse relembrada a revolta de Stonewall, o grito por liberdade e a luta por ter o direito de amar e se expressar publicamente agora estava na rua, marchando firme rumo ao Central Park – foi assim que nasceu a Parada do Orgulho LGBTQIA+
Desde então, a data ficou registrada e mais pra frente o mês de junho ficou conhecido como mês do Orgulho LGBT ( sigla e bandeira foram mudando com o tempo, hoje LGBTQIAP+)
Às vezes em nossas bolhas é complicado entender o novo, mas com informação e vontade é possível. Por anos, estamos no topo da lista como um dos países que mais mata pessoas LGBTs, viver numa sociedade regida por valores que não se encaixam para todos custa muito caro e quando se é diferente pode custar até a vida.
Gisberta, uma mulher trans fugiu do Brasil para a França com apenas 18 anos, estava fugindo de uma terrível “onda” de homicídios contra pessoas transgênero que acontecia em São Paulo. Chegou em Portugal aos vinte e viveu mais vinte na cidade, com pouco mais de quarenta anos foi vítima de homofobia.
Adolescentes de 12 a 16 anos divididos em grupos começaram a agredi-la, foi abusada e torturada durante dias. No dia 22 de fevereiro de 2006 por acharem que estava morta, os adolescentes a lançaram num poço em Portugal. O caso chocou o país, e seu nome até hoje é lembrado em manifestações.
“Balada de Gisberta” é uma canção interpretada por Maria Bethânia, onde o eu lírico transmite as últimas horas de vida da mulher que foi injustamente morta afogada.
Eu não sei se um Anjo me chama
Eu não sei dos mil homens na cama
E o céu não pode esperar
Eu não sei se a noite me leva
Eu não ouço o meu grito na treva
O fim quer me buscar
Sambei na avenida
No escuro fui porta-estandarte
Apagaram-se as luzes
É o futuro que parte
Escrevi o desejo
Corações que já esqueci
Com sedas matei
E com ferros morri
As cores de junho também estão nessa luta, pulemos a fogueira e dancemos quadrilha, mas que nunca seja esquecida a liberdade de amar, o direito de viver e a coragem de lutar para ser quem somos.
Majori Silva, 22 anos, é escritora e lidera um coletivo na gestão de uma biblioteca comunitária