Por mais remoto que este problema possa ser de nós que vivemos no Sudeste do Brasil, é sempre importante lembrar de doenças negligenciadas e que permanecem como grave problema de saúde pública principalmente em áreas remotas e habitadas, principalmente, por povos originários e ribeirinhos. Assim é a malária que tem atingido muito de nossos índios e populações, principalmente da Amazônia. Entretanto nós sabemos que a eliminação da malária é possível.
Dez países foram certificados como “livres de malária” nos últimos cinco anos, incluindo a China, que eliminou a doença de 30 milhões de casos por ano para zero casos. No entanto, o progresso em direção à eliminação da Malária no mundo tem sido desigual. Hoje, a África tem cerca de 90% dos casos de malária no mundo e o progresso, ainda que pequeno no passado, estagnou.
Em 2020, ocorreram 240 milhões de casos de malária e 637 mil mortes em todo o mundo. Este é o mesmo nível de sofrimento humano que ocorreu em 2015. A Covid-19 mobilizou o mundo, provando que é possível enfrentar os desafios de saúde pública de forma rápida e eficaz através da cooperação internacional em investigação e inovação em saúde, coligações multissetoriais e ação coletiva.
Este nível de ação global é exatamente o que é necessário para acabar com a malária. A malária, uma ameaça para os mais vulneráveis nas populações com impacto social a longo prazo, deve ser abordada como um problema social de saúde e de desenvolvimento econômico, e não apenas como um problema médico. Os esforços de eliminação da malária devem ser liderados pelos países endêmicos, como o nosso, e em parceria com múltiplas partes interessadas dentro de cada país.
A liderança deve vir de todos os níveis de governo, desde os defensores da comunidade até aos líderes nacionais. Nos países recentemente certificados como “livres de malária”, a característica comum é uma liderança governamental eficaz aliada a conhecimentos técnicos e uma forte força de trabalho comunitária na área da saúde. A pandemia da Covid-19 revelou as limitações e desigualdades dos nossos sistemas de saúde globais, mais particularmente nos desafios relacionados com a força de trabalho da saúde global.
Investir na força de trabalho da saúde é essencial. A capacitação dos profissionais de saúde através da educação, da formação e da criação de planos de carreira sustentáveis que incluam salários justos para os profissionais de saúde comunitários são fundamentais para o progresso.
Para acabar com a malária, precisamos de uma força de trabalho que adote uma abordagem de resolução de problemas e inclua intervenientes de vários setores. Especialistas em diversas disciplinas – ciências sociais e comportamentais, comunicações, finanças, ciência de dados – devem reunir-se com os líderes comunitários para se concentrarem na resolução das barreiras à eliminação da malária.
As universidades e instituições de ensino podem possibilitar a formação desta força de trabalho em todos os níveis. Os dados sobre a malária devem ser valorizados, visíveis, oportunos e utilizados pelo público e pelos decisores políticos, da mesma forma que os dados da Covid-19 foram utilizados para a tomada de decisões.
Os dados em tempo real têm sido fundamentais noutros programas de eliminação de doenças, como foi com a varíola e a poliomielite. Porque não criar Painéis sobre a Malária a nível comunitário e nacional para acompanhar o progresso e informar as políticas públicas?
A malária dispõe de uma “caixa de ferramentas” de intervenções, incluindo a vacina recentemente recomendada, e a melhor combinação destas ferramentas será definida pelos dados obtidos localmente.
As políticas e práticas de eliminação da malária devem ser integradas no sistema único de saúde (SUS) mais amplo, sem perder o foco na redução do peso da doença. É fundamental acelerar a inovação para novas ferramentas e novas formas de utilizar as ferramentas existentes. Os países endêmicos como o Brasil têm um grande potencial para empreendedorismo, pesquisa e desenvolvimento. A comunidade da malária deve aproveitar esse potencial.
Agora é o momento de imaginar e continuar a trabalhar para um país e um mundo livre de malária. É inaceitável no estágio de desenvolvimento do Brasil conviver com este flagelo que é a malária. Nós sabemos que isso pode ser alcançado com planejamento e engajamento de todos os entes federados e instituições que possam contribuir com o ensino, pesquisa e assistência nesta área.
Muitos países foram capazes de eliminar a malária, porque nós não conseguimos até hoje?
A busca da equidade em saúde deve respeitar as diferenças e as prioridades regionais. Assim é o que temos visto em relação a malária que ainda mata e causa grande problema à saúde pública em áreas expostas.
Carmino Antônio De Souza é professor titular da Unicamp. Foi secretário de saúde do estado de São Paulo na década de 1990 (1993-1994) e da cidade de Campinas entre 2013 e 2020. Secretário-executivo da secretaria extraordinária de ciência, pesquisa e desenvolvimento em saúde do governo do estado de São Paulo em 2022 e atual Presidente do Conselho de Curadores da Fundação Butantan. Diretor científico da Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (ABHH).