Há razão didática para ‘Matrix Resurrections’ (EUA, ficção científica, 2021, 2h28 min.), de Lana Wachowski, recorrer tanto ao primeiro longa-metragem da saga, ‘Matrix’ (Lana Wachowski e Lilly Wachowski): grande parte do espectador de hoje estava nascendo em 1999 e quem o assistiu no cinema necessita refrescar a memória vinte anos depois.
Mas também há motivo de natureza artística. ‘Matrix’ se tornou referência geracional e, mesmo tão jovem, virou clássico. Não havendo como superá-lo, resta tê-lo como aliado em vez de disputar espaço com ele.
Portanto, não faz sentido declarar que o primeiro é superior. Até a diretora concorda; do contrário, não recorreria tanto a ele, feito a um guia. E ela seria gênio absoluto se conseguisse gerar novo filme tão bom ou superior ao primeiro.
Veja o trailler do filme;
Quando Niobe (Jada Pinkett Smith) diz que envelheceu, mas se tornou sábia, talvez tenha querido explicar que sabedoria se aperfeiçoa, se aprofunda. E simplifica.
Prova disto é que ‘Resurrections’ aparenta ser difícil, mas o roteiro escrito por Lana (e colaboração de Lilly, David Mitchell e Aleksandar Hemon) se encarrega de “traduzi-lo” para leigos, de modo que ninguém se sente perdido ante a parafernália de imagens e efeitos especiais a serviço de trama complexa.
Neo (Keanu Reeves) e Trinity (Carrie-Anne Moss) levam vida corriqueira na Matrix – muitos os consideram mortos. Neo, conhecido como Thomas Anderson, busca resolver no divã de analista (Jonathan Groff) os tormentos do passado e, ao se encontrar com o jovem Morpheus (Yahya Abdul-Mateen II), toma a pílula vermelha e reinicia a jornada.
Segundo um representante dessa corriqueira vida na Matrix, pode-se até querer encher o mundo de arco-íris, mas as pessoas gostam mesmo de cabresto que as controlem. De fato, há quem goste de prescindir do livre arbítrio e ser dirigido.
Obviamente, existem regras controladoras que estabelecem ordens – sinais de trânsito, por exemplo. Ou não matar, não roubar, respeitar onde termina o próprio limite e começa o do outro. Mas o ser humano foi feito para voar – liberdade é a maior herança recebida pelo Divino.
Daí, sonharmos em comer um morango com sabor morango, lutar por justiça, equilíbrio ecológico, por paz em vez de guerras. São sonhos humanos que, mesmo sem asas, nos fazem voar.
Lana Wachowski alcança algo difícil, porém, essencial ao cinema: atmosfera.
Ela cria extraordinária ambientação usando todos os assessórios de que dispõe. Caso da música (de Johnny Klimek e Tom Tykwer), que sempre obedece padrões nesse tipo de filme. Ela começa sutil e alterna momentos de tensões e distensões a fim de acompanhar o ritmo da partitura impressa pelo roteiro. No ápice, se transforma em grandiosa ópera moderna.
A fotografia exacerba os contornos e as variações dessa ambientação, a edição é consequente (não acelera só para acelerar), as lutas em forma de balé coreográfico compõem os momentos de beleza do filme, e as cenas de perseguição concentradas em pequenos espaços emprestam o toque assustador que emergem delas, cercadas de luzes, explosões, sons gerados pelo caos e acompanhados de ruídos complementares de gritos e interjeições.
Trata-se de arsenal de opções regidas pelos efeitos especiais visando criar a tal atmosfera, jogar o espectador para dentro do filme e estabelecer jogo de sensações que entram pelos olhos e vão direto à mente.
Afinal, o mundo para além da Matrix está em nossas mentes. E, se Neo é nosso herói e, Trinity, nossa heroína, não queremos ser joguetes na sedutora Matrix de encantos escorregadios, falsos brilhantes e rastros toscos de luminosidade volátil.
Ainda que tais inferências estejam embutidas no filme porque são essência dele, elas surgem como mensagens subliminares, pois não se pode perder de vista que estamos diante de produto massificado de entretenimento.
Tanto que o humor passeia o tempo todo aqui e ali, mesmo quando parece criticar as sequências de filmes ou a transformação da profunda experiência de vida de Neo em game (algo trivial). O propósito está evidente: demonstrar que ‘Matrix Resurrections’ nem é tão sério nem tão superficial.
‘Matrix Resurrections’ está em cartaz em Campinas no Cinemark do Shopping Iguatemi, no Cinépolis do Galleria Shopping e do Campinas Shopping, no Multiplex do Shopping Parque das Bandeiras e no Moviecom do Shopping Unimart