A atual onda de calor extremo, com temperaturas e sensação térmica recordes em alguns locais do Brasil, é apenas mais um aviso do que pode e deve vir pela frente. As mudanças climáticas vieram para ficar e provavelmente em ritmo cada vez mais alucinante. Os últimos dados climáticos, já indicados nesta coluna, ratificam que a cada ano que passa as temperaturas são cada vez maiores, provavelmente já ultrapassando o limite de crescimento de no máximo 1,5 grau estabelecido no Acordo de Paris de 2015.
Apesar desse ponto de quase não retorno, as negociações climáticas continuam emperradas na soma de interesses políticos e econômicos. Apenas uma grande mobilização da cidadania global pode destravar o que já deveria ter sido destravado. Entretanto, são vários estudos indicando que grande parte da população ainda vê as mudanças do clima como algo distante do seu cotidiano. Então, o que fazer para mudar esse cenário, para que haja um grande despertar da cidadania planetária em favor das premissas da sustentabilidade, com um forte engajamento na luta contra as mudanças climáticas e a extinção da biodiversidade, ao lado das questões sociais igualmente dramáticas?
Entendo que uma soma de esporte e mídia mais engajada possa ser um dos caminhos possíveis. Os esportes são reconhecidamente grandes mobilizadores de emoções e sentimentos ao redor do mundo. Cada país com seu ou seus esporte(s) preferido(s).
Imagina a NBA falando mais de sustentabilidade nos Estados Unidos, do futebol fazendo a mesma coisa no Brasil e outros países e assim por diante?
Esta foi uma das propostas que apresentei no livro “Jogo Verde, Jogo Limpo – 100 propostas para uma Agenda 21 Brasil do Esporte pela Sustentabilidade, o Turismo Sustentável, a Paz e a Diversidade Cultural”, lançado em 2011. O livro teve lançamento nacional no Seminário Políticas Ambientais para a Sustentabilidade na Copa do Mundo, realizado na Estação Ecológica SESC Pantanal – Centro de Eventos Onça Pintada, no Mato Grosso.
O Seminário foi promovido em parceria entre Comissão de Turismo e Desporto da Câmara dos Deputados, Comissão de Desenvolvimento Regional e Turismo do Senado Federal e Sistema CNC – SESC – SENAC, com realização da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo – SESC – SENAC.
O propósito do livro era então o de apontar algumas propostas para que o encantador mundo dos esportes fosse um grande propulsor das ideias associadas à sustentabilidade, em termos sociais, econômicos e ambientais. O pano de fundo era a preparação para a Copa do Mundo de 2014 no Brasil e das Olimpíadas de 2016 no Rio de Janeiro. Era um período, assim, mais do que favorável para que o Brasil, potência ecológica global, se consolidasse como uma liderança mundial também no esporte para a sustentabilidade.
Infelizmente, como vimos, essas duas grandes chances históricas foram perdidas pelo Brasil, mais uma vez. Entretanto, as ideias contidas no livro permanecem muito vivas e tenho acompanhado com alegria as notícias dando conta da evolução do esporte pela sustentabilidade em várias instâncias e regiões do planeta.
Há poucos dias o gigante inglês Manchester City, por exemplo, anunciou que o seu Centro de Treinamentos deverá ser transformado em um dos maiores produtores de energia renovável no mundo do futebol. O CT do clube, denominado City Football Academy, receberá mais de 10 mil painéis solares, com a capacidade de gerar até 4,39 megawatts de energia por ano. A iniciativa integra o planejamento do Manchester City de se tornar neutro em carbono até 2030, contribuindo então para o esforço que deve ser de fato planetário na luta contra as mudanças climáticas.
No caso do Brasil, o Comitê Olímpico Brasileiro anunciou em junho de 2023 o lançamento de seu Programa de Sustentabilidade. O COB também se tornou signatário do Sports for Nature – S4N (Esporte pela Natureza, em português) e do Sports for Climate Action – S4CA (Esporte pela ação climática), ações internacionais na área do esporte pela sustentabilidade.
Avançam, assim, as ações pela sustentabilidade no mundo esportivo, embora ainda em ritmo lento em relação às urgências socioambientais planetárias. Muito mais pode ser feito se esse empenho estiver associado a uma postura ainda mais determinada da mídia em geral pela sustentabilidade.
Sim, com certeza a mídia tem-se aberto cada vez mais para os temas socioambientais, não há dúvida. Essa abertura tem evoluído desde a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Rio-92, realizada no Rio de Janeiro, em junho de 1992, e considerado o evento ambiental mais importante da história. Tive a oportunidade de cobrir o evento como repórter e dava para sentir que a mídia internacional começava a ficar mais atenta para as urgências ambientais globais.
O interesse ficou mais claro a partir do agravamento das mudanças climáticas. Os espaços da mídia dedicados a esse tema são cada vez maiores. É o que tem constatado, por exemplo, uma das mais importantes ações na área, o Observatório de Mídia e Mudanças Climáticas (MeCCO), que funciona na Universidade do Colorado Boulder, no Instituto Cooperativo para Pesquisa em Ciências Ambientais (CIRES). O MeCCO é uma colaboração multiuniversitária que envolve aproximadamente 30 pesquisadores em 15 instituições. Desde 2004, o Observatório monitora a cobertura sobre mudanças climáticas realizada por jornais de 59 países, em 14 idiomas.
A constatação do Observatório é que de fato a mídia impressa destina espaço cada vez maior para a temática. O mesmo com certeza pode ser dito em relação a outras mídias, mas é lícito perguntar: será que tem sido suficiente ou ainda há espaço para uma cobertura ainda maior e com maior qualidade?
Com certeza há muito mais espaço para a ampliação e aprofundamento da cobertura das questões socioambientais, e não apenas das mudanças climáticas, pela mídia de forma geral. Ainda há a preferência pelo destaque às grandes tragédias ambientais, que com certeza devem ser cobertas. Mas é fundamental uma ação mais pedagógica, cotidiana, associando as questões socioambientais com o dia a dia das pessoas. Com a mistura e a média exata entre a celebração das maravilhas da natureza e as gigantescas ameaças a essa mesma natureza.
O caso brasileiro é muito sintomático. De novo, potência ecológica global, com a maior biodiversidade planetária (Amazônia e não só ela) e maior volume de água doce do mundo, o Brasil deveria ser um exemplo de mídia voltada para a sustentabilidade.
Mas a televisão, por exemplo, continua dando muito mais espaço para discussões sobre futebol do que sobre meio ambiente ou educação, outra urgência urgentíssima nacional. Não seria interessante que os infindáveis programas esportivos sempre dessem alguma dica sobre meio ambiente ou ação cultural/educacional? Algumas propostas nesse sentido são citadas no meu livro “Jogo Verde, Jogo Limpo”.
Enfim, esta é a visão de alguém que acompanha e trabalha em jornalismo socioambiental há mais de 40 anos, tem vários livros publicados sobre o tema e adora futebol.
As ações que temos visto nos últimos tempos são luz em relação ao que tínhamos antes, mas é possível e preciso avançar mais, considerando a gravidade das questões sociais e ambientais atuais.
A proliferação de pessoas em situação de rua no Brasil e a destruição sistemática dos biomas brasileiros são duas faces dessa tragédia nacional que continua incomodando e exigindo respostas mais rápidas e o mesmo pode ser dito sobre outras partes do mundo.
José Pedro Martins é jornalista, escritor e consultor de comunicação. Com premiações nacionais e internacionais, é um dos profissionais especializados em meio ambiente mais prestigiados do País. E-mail: [email protected]