Já ouviu falar em transtorno de déficit de natureza? Esse termo foi cunhado pelo jornalista Richard Louv, autor do livro A Última Criança na Natureza, para descrever o fenômeno causado pelas crianças terem pouco contato com o ecossistema. Até 2030, estima-se que 60% da população viverá em cidades, por isso é muito importante que as escolas repensem seus espaços.
O projeto Novo Olhar da FEAC em parceria com o NEPP (Núcleo de Estudos de Políticas Públicas da Unicamp) planeja ações estratégicas voltadas à melhoria da qualidade nas escolas de Educação Infantil de Campinas. Ele nasceu durante a pandemia de Covid-19 e tem como missão transformar a qualidade de ensino nas escolas de educação infantil, que contemplam o atendimento de crianças de 0 a 6 anos.
Por meio de um edital, o Novo Olhar selecionou cinco projetos de instituições de educação infantil com o objetivo de aprimoramento dos espaços escolares, considerando o conceito de ‘desemparedamento’ da infância.
“Desemparedar uma criança contribui para o seu desenvolvimento integral e sua autonomia diante de um universo amplo de pesquisa, pois à medida que as crianças exploram os espaços externos e descobrem contextos, elas se conectam com a natureza, aguçam a curiosidade, os sentidos e vivem experiências que contribuem para os aspectos físicos, intelectuais, psicológicos, emocionais e sociais de seu desenvolvimento, o que não seria possível em ambientes fechados, como as salas de aula mais convencionais e espaços domésticos restritos”, destaca Teresinha Klain, pedagoga e analista de projetos do Programa Primeira Infância em Foco (PIF), da FEAC.
Ver de Perto, Verde Perto
Um dos exemplos recém-inaugurado é do Centro de Formação Semente da Vida que elaborou o projeto “Ver de Perto, Verde Perto”, que recebeu apoio da FEAC. Por lá flores, arbustos, árvores frutíferas, água, pedras, cascalhos e areia passaram a fazer parte dos elementos naturais que ajudam a ampliar as experiências sensoriais das crianças e das famílias.
A OSC conveniada à Prefeitura Municipal de Campinas atua com Educação Infantil – creche e pré-escola – no Jardim Novo Flamboyant. Por lá, recebem 154 crianças de 0 a 6 anos, em período integral e contam com uma equipe de 33 profissionais.
“O objetivo do projeto ‘Ver de Perto, Verde Perto’ é oferecer para a comunidade do Jardim Novo Flamboyant quase 500 metros de área reestruturada para brincar junto à natureza”, conta Valéria Oliveira Ruggeri, diretora educacional da Semente da Vida.
A diretora destaca ainda que o projeto foi além das reformas, pois os profissionais da OSC fizeram uma formação de 25 horas com a educadora Ana Carol Thomé, do Ser Criança é Natural, visando sensibilizar e instrumentalizar a equipe para o uso significativo destes novos espaços.
Um mundo para sentir, apreciar e explorar
Para que o projeto ‘Ver de perto Verde perto’ ganhasse vida, as crianças e as famílias também foram ouvidas. Além disso foi observado como elas utilizavam a área externa da escola para brincar.
As áreas implementadas atendem a diferentes desafios corporais, cognitivos e sensoriais voltados diretamente para a primeira infância. “Os elementos água, vegetação e diferentes alturas foram bem explorados. Foi instalado um novo playground numa área de barranco, que era muito íngreme e pouco segura. Agora as crianças podem escorregar, brincar, explorar, subir, descer e escalar, criando suas narrativas com maior segurança. Neste espaço elas podem ainda sentir o vento, a chuva, as folhas das árvores, a areia, além de terem uma visão de um horizonte longínquo, ajudando a despertar a imaginação e os vários sentidos”, conta a diretora.
Ao lado desse espaço existe uma outra área com um declive acentuado que foi organizada em patamares para receber uma via de piso intertravado, indicada para caminhar com segurança e garantir que cadeirantes e pessoas com mobilidade reduzida possam circular por alí. “Também foram implementadas áreas com areia, grama, arbustos, uma passagem com degraus em alvenaria. Junto ao muro da escola foi construído um percurso de água corrente e dois reservatórios de água, formando um espaço que traz experiências incríveis com o elemento água para as crianças que estão aprendendo a desvendar o mundo”, afirma.
Na parte externa foi feito o calçamento da quadra e agora é possível transitar com carrinho de bebê com mais segurança, sem precisar usar a rua. “Toda a lateral ganhou um talude organizado, com muretas, grama, arbustos, subida e descida de pneus e um deck de 12 metros, acima da altura da rua, para que a população possa observar o horizonte, descansar ou interagir com os amigos e vizinhos”, diz.
A diretora ressalta ainda que a boa imagem de si que as conquistas destes espaços propiciam é incalculável. E, no caso deste projeto, com as ações na área externa, há possibilidade de se impulsionar o sentimento de pertencimento e identidade da comunidade; um dos focos de uma educação cidadã.
“Acredito que todos ganhamos muito com esse projeto. Ganha a natureza, pois a criança irá ressignificar suas experiências e ampliar sua chance de estar engajada na defesa de temas ambientais, e, de forma excepcional, ganham as crianças, que vivem a cura pela natureza, que observam os demais seres vivos, aprendem seus limites e pesquisam a vida”, afirma.
Kátia Camargo é jornalista eu ao conhecer de perto a beleza desse projeto se lembrou de uma série chamada O começo da Vida 2- Lá Fora , disponível na Netflix e que aborda o tema da primeira infância e a importância de estar perto da natureza.