Há 76 anos, em 8 maio de 1945, os aliados festejaram o fim da guerra e a derrocada do nazismo. E, anualmente, temos novos filmes sobre o tema porque não queremos nem devemos esquecer. Quando Hitler Roubou o Coelho Cor-de-Rosa (Als Hitler Das Rosa Kaninchen Stahl, Alemanha, 2019, 119 minutos), de Caroline Link, aborda o assunto através do olhar infantil.
A própria publicidade do filme se encarrega de fazer conexões com outras produções do gênero, como O Menino do Pijama Listrado (Mark Herman, Reino Unido, 2008), Jojo Rabbit (Taika Waititi, EUA, 2019), A Menina que Roubava Livros (Markus Zusak, Alemanha, 2013) e A Vida é Bela (Roberto Benigni, Itália, 1997).
O drama se baseia no best-seller semiautobiográfico de Judith Kerr (1923-2019). O filme começa uma semana antes da eleição de 1933 que confirmaria Hitler no poder alemão. Como o judeu Arthur Kemper (Oliver Masucci) é um crítico feroz do futuro líder nazista, ele terá de deixar o país.
Tudo o que veremos após esses episódios iniciais, terá o protagonismo da filha dele, Anna (Riva Krymalowski), de nove anos. No entanto, ao contrário do que se poderia imaginar, não se trata de visão infantil ingênua. Anna é extremamente crítica e capaz e perceber nuances da situação e de fazer pertinentes intervenções.
Poderíamos acrescentar também que ela tem um bom coadjuvante, o irmão Max (Marinus Hohmann), de 13 anos, que, entre afagos e brigas, estará o tempo todo com ela. Max reverbera as posições de Anna ou se faz crítico; porém, quando a sós, assume o papel de protetor. Em alguma medida, o olhar dele é, um pouco, a extensão da maneira como Ana vê o nazismo.
Há algo em comum a esse tipo de filme. Por ter o público infantil como alvo (mesmo abordando tema adulto), não se vê cenas de violência explícita que possam provocar algum tipo de incômodo mais grave – o que seria natural em produções que abordam a trajetória de Hitler.
Há violências de outras naturezas: o buylling nas escolas (e também fora delas), pelo fato de serem judeus, ou no âmbito social (contra adultos em particular), a perseguição política do pai, a necessidade de se mudar de cidade e de país o tempo todo, a falta de dinheiro para aluguel, roupa e alimento e, claro, a violência nazista (responsável por prisões, torturas e mortes) que surge em forma de sugestão ou por meio de palavras e ações.
Esse temor quase invisível, mas onipresente, será o responsável por fazer o roteiro seguir em frente, porque não haverá grandes acontecimentos ou viradas espetaculares. Quando Hitler Roubou… poderia ser resumido como os deslocamentos de uma família judia por vários países da Europa acossada pelo nazismo e como tal movimentação gera desacertos e desestrutura, em especial, às crianças.
O elenco (notadamente o menino e a garota) está bem. A direção conservadora e pouco criativa não compromete e o roteiro evita que as constantes separações da família sirvam de pretexto para transformar o filme em dramalhão – há uma cena tocante da mãe (Carla Juri) comendo bolo em um parque – porque a simples presença de crianças poderia ser explorado por esse viés.
Porém, as roteiristas (Anna Brüggemann e a própria diretora) possuem o entendimento de que não precisam mesmo forçar a barra para choros, histerias, ou algo do gênero, porque o tema em si se basta. Há uma atmosfera maligna que permeia a história e ela própria se encarrega de suscitar emoções.
Veja o trailer do filme no link https://www.youtube.com/watch?v=S4UCKjTcUKc
O mais importante é entender o papel que esse gênero de filme exerce. Não se faz necessário que anualmente tenhamos produções memoráveis ou sucessos espetaculares sobre o tema. Basta que o cinema (e a literatura, a música, a arte em geral) nos lembre, sempre, que o nazismo existiu. E que ele não pode renascer.
João Nunes é jornalista e crítico de cinema
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