Você já voltou para casa porque havia esquecido o celular, mesmo que sua saída tenha sido só pra ir à padaria ou pra passear com o cachorro? Se sente deslocado, ansiosa ou nervoso quando não pode verificar as redes sociais? Bate o desespero quando a bateria do aparelho está acabando ou quando o sinal da internet desaparece? Já desistiu de um compromisso social ou perdeu uma oportunidade profissional porque perdeu hora, imerso em joguinhos ou vídeos que parecem distorcer o tempo na tela do seu smartphone? Considera impossível passar uma semana inteira sem mexer no celular ou, ao menos, sem conexão com a internet?
Se sua resposta foi “sim” para a maioria das perguntas, é possível que você sofra de nomofobia, doença reconhecida pela Organização Mundial da Saúde desde 2017, manifestada pela dependência compulsiva de utilizar o telefone portátil e o medo, ou fobia, de não poder acessá-lo. O termo vem da expressão em inglês “no mobile”, ou “sem celular”, sucedida de “fobia”, que faz alusão não só a medo, mas a outros sintomas, como ansiedade, estresse, nervosismo, angústia, desespero e até mesmo distúrbios mais graves, que podem afetar funções metabólicas, fisiológicas e cognitivas de pessoas viciadas nos dispositivos móveis.
É curioso pensar que a internet começou a se popularizar há apenas cerca de 30 anos e que os primeiros eletrônicos portáteis conectados a ela têm pouco mais de duas décadas. Hoje em dia, contudo, as circunstâncias de uma sociedade hiperconectada tendem a agravar os sintomas do uso abusivo e do vício tecnológico: usamos o celulares, aplicativos e redes digitais para ler notícias, para trabalhar, para estudar, para conversar com colegas e familiares, procurar por relacionamentos, fazer compras, pagar contas, assistir séries, filmes, e, a maior das armadilhas, fugir do “mundo real” em momentos de descanso e relaxamento.
Como em toda adicção, a relação de dependência é tóxica e retroalimentada pela necessidade inconsciente e compulsória da obtenção de prazer e satisfação através de uma prática que provoca efeitos colaterais nocivos e, à medida que se torna cotidiana, é cada vez menos prazerosa ou satisfatória. Com a nomofobia não é diferente: na busca por estímulos, usuários e usuárias aprofundam sua compulsão pelos dispositivos digitais, naufragando em mundos virtuais apartados, muitas vezes, do universo externo às bolhas personalizadas e fantasiosas do ciberespaço.
Além disso, o uso abusivo das tecnologias pode amplificar outros vícios, principalmente os que incorrem em práticas ilegais ou moralmente reprováveis, sob a penumbra do anonimato de contas e perfis falsos, com destaque para o consumo de pornografia, sites de apostas e esquemas financeiros, como pirâmides, perseguição (ou stalking) e pregação do ódio.
Mesmo com o uso moderado e mais consciente dos smartphones e das redes sociais, a manifestação alarmante da nomofobia provoca a pensar sobre como ferramentas desenvolvidas para facilitar atividades corriqueiras, reduzir distâncias, eliminar barreiras e tornar as informações mais acessíveis podem, paradoxalmente, agravar comportamentos antissociais, agressivos, paranoicos, delirantes, criando pessoas inseguras, incapazes de lidar com frustrações, obsessivas pela ilusão do controle, egocêntricas, imediatistas, acostumadas a pensar que tudo pode (e deve) ser resolvido por alguns toques na tela brilhante na palma da mão.
Paracelso, alquimista, médico e filósofo suíço, já dizia no século XVI, muito antes de sonharmos com a internet, que a diferença entre o veneno e remédio está na dosagem.
Será assim também com as tecnologias, principalmente os smartphones conectados à internet? Como definir limites e estabelecer critérios para avaliar causas e sintomas de todo esse mal-estar da pós-modernidade?
Enquanto não há respostas claras o bastante para solucionar mais esse problema, a experiência produtora das civilizações humanas serve como dica: somos seres que se desenvolvem a partir de interações biopsicossociais que não cabem em baterias, filamentos e antenas.
Luis Felipe Valle é professor universitário, geógrafo e mestre em linguagens, mídia e arte.