O corvo havaiano é um pássaro notavelmente inteligente, chegando a fazer espécie de espetos com galhos, que usam para conseguir comida de difícil acesso. As aves já foram abundantes, mas no final dos anos 90 sua população havia caído tão drasticamente que estavam enfrentando a extinção. E os culpados foram as lavouras de cana e os incêndios florestais.
No início deste mês, um dos poucos grupos desses corvos criados em cativeiro em Maui foi quase todo destruído por um incêndio sem precedentes, o que levaria em uma toada a extinção quase certa da espécie (sobrando apenas 40 nas ilha principal do Havaí). Na manhã de 8 de agosto, as chamas chegaram a algumas centenas de metros do habitat desses pássaros e provavelmente o teriam engolido, não fosse por uma funcionária do zoológico, um vizinho e uma mangueira de jardim.
De acordo com os United States Fish and Wildlife Service, agência governamental que monitora a vida selvagem similar ao nosso Ibama, “muitos fatores” contribuíram para o declínio populacional do corvo havaiano, incluindo destruição de habitat, espécies invasoras e os efeitos da agricultura.
Devido a esses desenvolvimentos, a fauna nativa do Havaí, em geral, está em crise; o estado ganhou o título infeliz de “a capital mundial da extinção”.
Das quase 150 espécies de aves que costumavam ser encontradas apenas no Havaí, e em nenhum outro lugar, dois terços se foram. E entre os caracóis nativos distintos das ilhas, as perdas foram ainda mais catastróficas.
Na semana passada, à medida que o número de mortes pelos incêndios em Maui continuou a aumentar — sexta-feira, se acumulavam 111 mortos — ficou claro que os mesmos ‘fatores’ que dizimaram a vida selvagem do Havaí também contribuíram para a letalidade dos incêndios.
Cerca de mil pessoas ainda estão desaparecidas, e mais de duas mil casas foram destruídas ou danificadas.
A localidade mais atingida, a cidade de Lahaina, agora em ruínas, foi construída num antigo um pântano. Em meados do século XIX, grande parte da vegetação ao redor da cidade foi limpa para dar lugar a plantações de açúcar. Então, conforme essas empreitadas faliram, muitas no final do século XX, os acres anteriormente cultivados foram tomados por gramíneas exógenas.
Diferentes das plantas nativas do Havaí, as gramíneas importadas evoluíram ao longo da história sob a pressão de incêndios, e, em tempos secos, se tornam altamente inflamáveis.
As terras ao redor de Lahaina eram só cana-de-açúcar de 1860 até o final dos anos 1990. E Nada foi feito para aumentar a biodiversidade desde então, daí o problema com gramíneas invasoras e risco de incêndio.
As mudanças climáticas também contribuíram para a devastação de muitas espécies nativas, que sempre controlavam os ventos e fogo. Mas os erros recentes, desde os anos cinquenta, permitiram ou forçaram as temperaturas médias no Havaí a aumentarem cerca de dois graus já, com um aumento acentuado no aquecimento na última década.
Isso tornou o estado mais propenso a incêndios e, ao mesmo tempo, promoveu a disseminação dos tipos de plantas que fornecem combustível aos incêndios florestais. Verões mais quentes ajudam arbustos e gramíneas invasoras a superar evolutivamente espécies de árvores nativas. Causando um já conhecido ciclo, e que, como uma espiral, estamos chegando cada vez mais perto de seu ponto final.
O governador do Havaí chamou os incêndios de o “maior desastre natural” do estado. Acredito que esse tipo de catástrofe deveria ser rotulada mais precisamente como um “desastre não natural”.
E no Brasil? Quantos desastres não naturais e ainda evitáveis teremos de enfrentar? Maui é um infeliz presságio para o futuro!
Luis Norberto Pascoal é empresário, empreendedor e incentivador de projetos ligados à educação e à sustentabilidade. A Fundação Educar Dpaschoal é um dos pilares de seu trabalho voltado ao desenvolvimento humano e social.