Você sabe quanto emite de carbono? Ou seja, sabe qual é a sua pegada de carbono, a medição de quanto contribui para a emissão de gases que alimentam as mudanças climáticas, um dos maiores desafios globais contemporâneos e que apenas tende a se agravar, a julgar pelos recentes eventos climáticos extremos? Igualmente importante: e como você pretende contribuir para neutralizar essa sua pegada de carbono?
Hoje são várias as chamadas calculadoras de pegadas individuais de carbono. Não há uma regra padronizada. Geralmente essas ferramentas medem a pegada com base em hábitos de consumo da pessoa, em termos de gasto de energia, de como é sua mobilidade no cotidiano, como se alimenta ou de quais são as suas compras mais frequentes.
Então é tudo muito aproximado, de fato é impossível mensurar quanto cada pessoa consome e/ou emite efetivamente de carbono no seu dia a dia. De qualquer modo essa prática, cada vez mais comum na cidadania planetária, é muito saudável em termos pedagógicos, de educação e reflexão sobre o estilo de vida das pessoas.
É muito melhor ter esse tipo de inquietação do que continuar agindo como algumas décadas atrás, com as pessoas consumindo ou se movimentando sem pensar sobre os impactos disso no equilíbrio da vida, nas redes complexas que compõem essa maravilha chamada vida e que, como conhecemos, só pode ser vivida nessa casa comum de todos que é a Terra.
Pois bem, considerando tudo isso, fiz um exercício prático e utilizei uma dessas calculadoras de pegadas de carbono. O resultado apontado foi que emiti 3,47 toneladas de dióxido de carbono equivalente em 2022. A calculadora também informou que minhas emissões eram 46,94% menores do que a média global.
Quem me conhece sabe que um dos motivos por essa pegada de carbono mais ou menos baixa é o fato de que não dirijo e não tenho automóvel. Sou um sem-carro contumaz. Então eu imagino que os cálculos de quem tem ao menos um automóvel em casa sejam bem maiores.
Mas isso quer dizer alguma coisa? Será que a solução para o enfrentamento das mudanças climáticas passa apenas pela medição individual da pegada de carbono? Isso não é culpabilizar apenas o indivíduo, quando sabemos que os grandes emissores de gases são os grandes produtores/consumidores de combustíveis fósseis, que continuam atuando hoje como se não houvesse amanhã?
O fato é que a questão da descarbonização da economia, um dos mantras mais falados atualmente nas reuniões sobre meio ambiente, significa um desafio e tanto. De um lado há as iniciativas positivas, sinceras, que efetivamente demonstram uma preocupação com a necessidade de mudança de estilos de vida, antes que seja tarde demais.
Caso por exemplo do movimento #MostraSuaPegada, lançado em 2022 pela fabricante de leite de aveia Nude e que já conta com mais de 30 empresas associadas, incluindo Daterra Coffee, Natura, Movida, Arezzo e Hering. O movimento visa a comunicação transparente e imediata para o consumidor de quanto o produto que ele está adquirindo emite de carbono equivalente, ao longo de seu ciclo de vida. Hoje são cerca de 100 produtos no Brasil que indicam em seus rótulos essa pegada de carbono.
Um número ainda pequeno, mas claramente indicativo de uma tendência, de mudanças culturais que vêm ocorrendo de forma mais rápida na Europa mas que já começa a ter repercussão em países em desenvolvimento como o Brasil. Como antes as embalagens indicavam o índice calórico do alimento ou a sua composição química, os produtos devem passar a divulgar qual a sua pegada de carbono, ou seja, em seu processo de produção e consumo, quanto foi emitido de gases que contribuem para alimentar as mudanças climáticas.
De novo, são iniciativas importantíssimas, embaladas pelo sentimento de solidariedade coletiva e busca do bem comum. Mas não há como esquecer que, por outro lado, interesses políticos e econômicos poderosos continuam sendo o motor para a continuidade da produção, comercialização e uso desenfreado de combustíveis derivados de fósseis, como o petróleo, o carvão e o gás. Sim, está em curso um importante movimento de crescimento das energias renováveis, como energia solar e eólica, mas ainda insuficiente para atenuar os impactos enormes da poderosa indústria dos fósseis.
Um exemplo nesse sentido é o fato de que a próxima Conferência do Clima, a COP-28, será realizada em Dubai, Emirados Árabes Unidos, entre 30 de novembro e 12 de dezembro.
Os Emirados, como é sabido, são grandes produtores de petróleo. Ao contrário de diminuir, os projetos do governo dos Emirados são aumentar a capacidade de refino de petróleo do país em 65% até 2025, chegando a 1,5 milhão de barris por dia.
Por conta desse cenário, tem sido muito contestada, naturalmente, a atuação do presidente da COP-28, ninguém menos que o presidente da Adnoc, a estatal de petróleo dos Emirados. Esse mesmo dirigente tem defendido que ocorra uma aliança internacional pela descarbonização líquida até 2050. Seria uma descarbonização, entretanto, que não considera as emissões indiretas. Na prática, a economia baseada nos fósseis continuaria dominante, enquanto prossegue o avanço das energias renováveis.
Mas será que dará tempo? Os eventos climáticos extremos que estamos vendo hoje, como queimadas horríveis na Grécia e ondas de calor na Europa e Estados Unidos, sem falar em ciclones cada vez mais frequentes no Brasil, não demonstram que não há mais tempo para o adiamento das soluções efetivas, que não passam por uma descarbonização gradual como os lobbies dos fósseis têm apregoado?
Estamos diante, com certeza, de um grande dilema civilizatório. A sociedade como conhecemos está em xeque, precisa tomar decisões radicais e urgentes. Ou muda substancialmente o seu modo de vida ou estaremos diante de tragédias e catástrofes cada vez mais frequentes. Há solução?
Particularmente ainda acredito que sim. E que passa por uma conjunção de atitudes, individuais e coletivas. Vamos continuar estimulando ações como as medições individuais da pegada de carbono, ou os esforços para a divulgação da pegada de carbono de produtos em suas embalagens. Mas também vamos continuar lutando por cidades mais sustentáveis, que implicam necessariamente em transporte coletivo com uso de energias renováveis, multiplicação de ciclovias e vias exclusivas para pedestres, replantio de matas em larga escala e disseminação de áreas verdes em geral.
E, claro, vamos intensificar a mobilização e cobrança das lideranças políticas e corporativas, para que os belos discursos sejam substituídos por compromissos e medidas concretas pela descarbonização. Nunca foi tão atual o lema agir local e pensar global. Um lema que deveria estar cada vez mais presente nas nossas escolas, como parte de matérias preparatórias de uma cidadania ativa, transformadora.
José Pedro Martins é jornalista, escritor e consultor de comunicação. Com premiações nacionais e internacionais, é um dos profissionais especializados em meio ambiente mais prestigiados do País. E-mail: [email protected]