Neste dia 8 de março se comemora o Dia Internacional da Mulher. A data tem como referência eventos que ocorreram em fevereiro e março de anos diferentes. Em 28 de Fevereiro de 1908, cerca de 15 mil mulheres participaram numa marcha na cidade de Nova Iorque, pedindo menos horas de trabalho, melhores salários e o direito de voto. Esta data foi recuperada pela ativista germânica Clara Zetkin, que sugeriu, na Conferência Internacional das Mulheres Trabalhadoras de 1910, realizada em Copenhagen, que se tornasse uma data internacional.
Um terceiro evento – o qual marcou definitivamente a data de 8 de março – ocorreu em Petrogrado, na Rússia, quando trabalhadoras têxteis lideraram uma greve e organizaram uma manifestação conhecida como Pão e Paz, em protesto contra a escassez de alimentos trazida pela 1ª Guerra Mundial. Esta manifestação, numa Rússia politicamente deteriorada, endossava a luta por uma vida digna e a participação feminina na política. Após quatro dias de paralisação, o czar Nicolau II foi forçado a abdicar e o novo governo provisório concedeu às mulheres o direito ao voto.
O Dia Internacional das Mulheres permaneceu um evento independente até 1975, quando a ONU passou a organizar as devidas celebrações.
Em Campinas, nós temos 16 boletins anuais sobre a violência obtido a partir de notificações de unidades de saúde de nossa cidade no âmbito das Universidades e Sistema de Saúde Público e Privado e consolidado pela Secretaria Municipal de Saúde.
Este boletim é editado todos os anos desde 2006 (já são 16), denominado SISNOV/SINAN – Sistema de Notificação de Violência de Campinas, acessível no site sisnov.campinas.sp.gov.br. O SISNOV também inclui a violência contra a mulher.
Durante o meu período à frente da Secretaria de Saúde de Campinas e anteriormente à promulgação da lei 13104/2015 que tornou o feminicídio um homicídio qualificado e o colocou na lista de crimes hediondos com penas de 12-30 anos de reclusão, fizemos um exercício que cruzou dados cartoriais, policiais e sanitários obtidos pelo SISNOV e verificamos haver dezenas de casos de possível feminicídio, mas que não foram enquadrados desta maneira.
O feminicídio é considerado quando envolve a violência doméstica e familiar, menosprezo ou discriminação à condição de mulher. Naquele momento, vimos que este era um problema grave e que mereceria uma atenção jurídica e institucional sobre o problema o que ocorreu com a promulgação da lei.
Nas últimas semanas, saíram os dados sobre feminicídio de 2023 no Brasil, que começaram a ser mensurados em 2015 pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), como resultado da aplicação da Lei Maria da Penha, que classifica como feminicídio o assassinato de mulheres por questões exclusivas de gênero.
A maioria dos feminicídios (mais de 70%) tem sido praticados por cônjuges (maridos, amantes, namorados etc.) e os demais provocados por colegas de trabalho, vizinhos e desconhecidos. A maioria dos feminicídios (mais de 60%) têm como vítimas as mulheres negras. As regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste têm mais casos.
Um informe da ONU em 2016 revelou que a taxa de feminicídios no Brasil era a 5ª maior do mundo. Os 1463 feminicídios registrados em 2023, representam um crescimento de 1,6% em relação ao que foi registrado em 2022, o qual já foi um número maior do que o registrado em 2021. Entre 2020 e 2021, o número de feminicídios caiu ligeiramente, provavelmente por causa da pandemia, mas a tendência desde 2015 tem sido de crescimento.
O feminicídio é uma prova de que nossa sociedade está se tornando cada vez mais incivilizada e de que os governos, as escolas e a sociedade civil não estão cumprindo seu papel de levar o país para um nível de desenvolvimento prometido há mais de duas décadas, mas nunca conquistado.
É impressionante que no século XXI continuemos com este problema selvagem e inaceitável contra as mulheres.
Carmino Antônio De Souza é professor titular da Unicamp. Foi secretário de saúde do estado de São Paulo na década de 1990 (1993-1994) e da cidade de Campinas entre 2013 e 2020. Secretário-executivo da secretaria extraordinária de ciência, pesquisa e desenvolvimento em saúde do governo do estado de São Paulo em 2022 e atual Presidente do Conselho de Curadores da Fundação Butantan. Atual Diretor Científico da Associação Brasileira de hematologia e Hemoterapia (ABHH) da Associação Médica Brasileira (AMB).
André César Medici é autor do Blog “Monitor de Saúde”, PhD em História, Economista em Saúde pelas Universidades de São Paulo (USP) e de Bethesda, Maryland, Estados Unidos.