Às vezes paro para pensar sobre o quão pequeno é o mundo que a gente conhece. Minúsculo, até. E olha que estamos na era da tecnologia, da comunicação, da internet. Bastam 5 minutos no Google para descobrir que: olha só, existe um país chamado Djibouti, ali pertinho de outros países como a Eritreia, a Etiópia e a Somália. Com mais 5 minutos, a gente descobre que todos esses países estão localizados na África, e que a África é um continente e não um país.
E no final desses dez minutos, todo mundo fecha a aba do Google pensando: “Nossa, o mundo não é só Estados Unidos e Europa”.
E você pode dizer que tudo isso que eu acabei de escrever é óbvio mas… Será? Deixa eu te dar outro exemplo, então.
É bem provável que, nas últimas semanas, você tenha se deparado com algum tipo de cobertura midiática sobre a invasão das forças russas à Ucrânia. Também é provável que tenha ouvido muita gente falar “Estamos vivendo a Terceira Guerra Mundial!”. Talvez você tenha falado isso em um momento de ansiedade. Mas, confia em mim: um conflito entre países europeus não é uma guerra mundial. E é difícil que a gente entenda isso porque, enquanto cidadãos de um país periférico com um sistema educacional que caminha devagar, estamos acostumados a ver o mundo pelas lentes que os estadunidenses e os europeus nos ‘emprestaram’ – seja durante a colonização ou mais tarde, com os intervencionismos.
Mas, se a invasão à Ucrânia não se trata de uma guerra mundial, por que estamos falando com tanta frequência e intensidade sobre ela? Naturalmente, porque qualquer invasão é condenável, sobretudo em razão das perdas humanas que causa. Por outro lado, pouco falamos hoje em dia sobre as invasões do Afeganistão, do Iêmen, do Iraque, do Vietnã e da Síria. É porque essas invasões foram realizadas pelos Estados Unidos, e não pela Rússia?
Ou é porque os civis assassinados nestes países não eram brancos, não tinham olhos azuis e não eram europeus?
Se você pensa que estou sendo injusta, é porque talvez não tenha visto os pronunciamentos de David Sakvarelidze (ex-procurador-geral adjunto da Ucrânia), de Charlie D’Agata (jornalista da CBS News) e de Daniel Hannan (jornalista do The Telegraph). Três homens brancos que, cada um à sua maneira, reforçaram o racismo que dita que só se pode falar em tragédia quando as vítimas são pessoas brancas. Como disse Sakvarelidze: “É muito emocionante para mim [a situação na Ucrânia] porque eu vejo europeus com olhos azuis e cabelos loiros sendo mortos todos os dias”.
Já D’Agata comentou que: “Esse não é um lugar, com todo respeito, como Iraque, ou Afeganistão, que tem visto conflitos por décadas. Essa é uma cidade relativamente civilizada, relativamente europeia”. Hannan, por sua vez, pareceu concordar com o colega de profissão e acrescentou: “Eles [os ucranianos] se parecem tanto com a gente. Isso é o que faz ser tão chocante. A Ucrânia é um país europeu. A guerra não é mais uma coisa que atinge populações empobrecidas e remotas. Pode acontecer com qualquer um.”
Partindo dessas três falas, o que se torna impossível de ignorar é a noção de que, há muito tempo, normalizamos que países fora do eixo Estados Unidos-Europa sejam dizimados, e normalizamos também o fato de que, todos os dias, corpos não-brancos e não-europeus sejam mortos em conflitos que poderiam ser evitados. Conflitos que, inclusive, são alimentados continuamente pela intervenção de potências estrangeiras como Estados Unidos, Rússia e Inglaterra, por exemplo.
Tudo isso porque, para nós, o mundo é um lugar muito pequeno. O mundo cabe em um punhado de países. E o mundo só considera um punhado de pessoas.
Então, o que quero dizer é: sim, devemos nos compadecer com a situação de Kyiv e contribuir com os movimentos transnacionais de pressão e protesto contra a invasão russa. Mas, se a sua compaixão só se estende à Europa e às pessoas brancas, então a guarde com você. Não precisamos dela.
O mundo – com todos os seus seis continentes – já é um lugar complexo demais sem que a gente permaneça tolerando a solidariedade seletiva de alguns.
Rafaela Obrownick, 20 anos, é estudante de Relações Internacionais da Facamp