Sem assunto pra nada. Silêncio pleno em meus neurônios. Vou tratar de lavar a louça do almoço e aguardar um barulho qualquer na cachola. Ideias fazem confusão e provocam encrencas. E vai daí que desligo o computador e vou atrás do silêncio das ruas e avenidas. Carros e ônibus andam silenciosos aos meus olhos, passando e levando homens e mulheres para seus destinos, uns ainda adormecidos, outros chateados com o salário, mas todos seguindo o silêncio de seus pensamentos, sonhando acordado, olhando pela janela do busão um outro canto da vida, as vitrines, as casas e seus quintais, a praça bem cuidada, e os namorados de mãos dadas. E assim se segue a poesia dos sonhos e vamos em frente.
Tantos pássaros, tantos ventos, ventanias, água batendo na calha, na pedra, tantos sons de viola, de violinos, pianos e línguas. Viver é complicado, bem sabe o raro leitor.
Mas tudo tem um propósito de melhorar os homens para a grande aventura de sobreviver e garantir a vida de seus filhos, netos e afins. Os pássaros fazem isso. Os ursos também. Os peixes, quem diria, voltam ao lugar onde nasceram para colocar seus filhos.
A vida só não é boa para quem não entende a imensurável razão da Natureza. Ou da sua estupidez. E assim nascem os ditadores, os genocidas, os terroristas. E não adianta qualquer carinho, um pouco de compaixão, de amor, pois essa gente não entende o toque de um beijo em seu rosto, um vento que balança a roseira, a chuva que lhe garante água e alimento.
Não falo aqui de política de homens idiotas.
A única política que entendo é a do Sol que todas as manhãs segue o seu destino, sem religião, sem voto, sem SUS, sem previdência, sem décimo terceiro salário, sem férias, e sempre cumprindo o destino natural dos átomos do Universo. E sem fazer ruídos. Pelo menos a nós que estamos tão distantes da sua música explodindo átomos e luz.
Acabei de ler algumas páginas de um livro de poesias de Abílio Victor, poemas sertanejos, e as suas palavras fizeram muito barulho nos meus silenciosos neurônios. E é assim o trabalho das palavras: acordar palavras que estão adormecidas em nossos átomos.
São tempos de muitos ruídos idiotas, de uma gente que fala em voto impresso, mesmo que tenha sido eleito pelo voto da urna. Falo assim por dizer que nada faz tanto barulho quanto a língua de um fascista. Porém, me basta fechar os ouvidos para não sofrer de falta de compaixão, de amor ao próximo enfim, para com essas pessoas. Não, por favor, não entenda que não sei perdoar. Já perdoei os caras que me deixaram surdo de um ouvido e quebraram meus dentes. Eles bem sabiam o que estavam fazendo – e assim merecem meus mais sinceros perdões.
E aqui estou com os ruídos das minhas palavras. E vou seguir em frente até que elas acordem outras que estão dentro da minha cachola, amedrontadas, nervosas, e, digo eu, acovardadas.
Sim, tenho um lado covarde que me impediu de dar um murro moral no nariz de um cara caloteiro de jornalistas. E ele ainda anda por aí com o seu cabelo engomado e vestindo o terno que irá lhe servir de abrigo ao tempo final. E isso me faz lembrar que não tenho um terno para que me guardem com certa elegância que, bem sei, não tenho. Mas tenho pessoas que gostam de mim, filhos, netas, amigos e uma moça que cuida dos meus cabelos, pernas e joelhos.
Levanto cedo e preparo o chá matinal da companheira, aquecendo o seu pão com nozes. E faço rápido o meu café e forro minha fatia de pão integral com qualquer lambreca de requeijão. E tudo isso no mais absoluto silêncio. O Sol da manhã agradece a deferência e o meu passarinho fica à vontade para cantar.
E é assim que a vida segue com seus ruídos e barulhos.
E é assim que fecho as portas do apartamento quando a hora do silêncio chega aos travesseiros. E a vida respira ao meu lado, serena e esplendidamente bela. E assim agradeço e adormeço – nos braços de um comprimido de Prisma, é claro. Ninguém é perfeito, devo dizer. Nem o barulho e o silêncio.
Zeza Amaral é jornalista, escritor e músico