Se ainda havia alguma dúvida no Brasil sobre o potencial devastador das mudanças climáticas, esse pensamento foi desfeito nesta semana em que vários estados são atingidos por uma histórica onda de calor. A palavra calor é usada aqui com reservas, porque na realidade o que se viu e sentiu nos últimos dias foi uma sensação de forno aquecido no último grau.
Esses dias de temperaturas extremas deixaram evidente o despreparo das cidades brasileiras para as mudanças climáticas, algo que já vem sendo alertado neste espaço. Entretanto, duas questões se revelaram especialmente graves.
A primeira delas diz respeito à vulnerabilidade do sistema elétrico brasileiro às mudanças do clima. Milhões de pessoa ficaram sem energia há alguns dias em São Paulo, após fortes chuvas e queda generalizada de árvores sobre a fiação, o que levou a alternativas bizarras de solução, como a de que a população pague mais uma taxa para que os fios sejam enterrados.
Pois bem. O calor extremo resultou no esperado aumento do consumo de energia, em função do uso intenso de aparelhos de refrigeração e ar condicionado e outros dispositivos utilizados para que as pessoas tivessem melhor conforto térmico. Com isso, novos apagões não estão descartados, agora por outros motivos.
A solução imediata nesse caso seria a uso emergencial de fontes térmicas de geração de eletricidade, o que já foi feito anteriormente. Ocorre que essa geração com fontes térmicas tem agravantes ambientais, pois em geral se queima carvão ou outro combustível muito poluente.
Não é descartado que, diante do que tem ocorrido nestes dias, volte-se a falar em uma alternativa já cogitada, a das fontes de energia nuclear. Alternativa perigosa e cara, considerando o potencial da energia nuclear em provocar acidentes com imensos impactos ambientais e sociais. Aliás, o lobby nuclear mais uma vez se fará presente na COP-28, que começa em alguns dias em Dubai.
O ideal seria que o Brasil fomentasse as fontes realmente renováveis de energia, como a solar, a eólica e a dos biocombustíveis.
O país, inclusive, tem um grande potencial de se transformar em líder global em biocombustíveis, caminho muito melhor do que os projetos sistemáticos de maior uso de fósseis como a exploração de petróleo na costa da Amazônia.
De qualquer modo o Brasil terá que repensar e logo a sua matriz energética. O que não poderá é continuar suscetível aos impactos das mudanças climáticas no sistema elétrico, pois fortes tempestades ou dias de calor extremo continuarão sendo registrados com certeza, como têm alertado cientistas e outros profissionais.
O segundo ponto que os dias de calor extremo levantam é em relação à segurança hídrica. O consumo de água também explode literalmente nessas ocasiões. Será que nossos reservatórios estão de fato preparados para dar conta da demanda que se espera com temperaturas cada vez mais altas, como dizem fontes insuspeitas como o INPE brasileiro e a NOAA norteamericana?
Chuvas intensas há alguns meses deixaram em boas condições grande parte dos reservatórios de uso múltiplo no Brasil, que fornecem água para abastecimento e também alimentam o sistema gerador de energia via hidrelétricas. Entretanto, será que essa situação vai perdurar ao longo do tempo, se a temporada de calor extremo se estender de fato até março ou abril do próximo ano, com a conjunção das mudanças climáticas e do El Niño?
Ontem o nível do Sistema Cantareira, que abastece metade da grande São Paulo, estava em 73,5% de sua capacidade. Entretanto, nunca é demais lembrar a estiagem de 2014, que provocou uma queda radical no nível do Cantareira, que é formado pelas águas da bacia do rio Piracicaba, localizada na região de Campinas.
Com as mudanças climáticas como estão, não pode ser descartada a hipótese de nova estiagem extrema em curto prazo, com impacto importante no Cantareira, que também libera água para contribuir com o abastecimento na região das bacias dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (PCJ), onde está a Região Metropolitana de Campinas (RMC).
Enfim, a RMC e todas as outras regiões metropolitanas brasileiras precisam pensar e agir muito rápido visando a segurança hídrica, considerando o que já se viu de potencial das mudanças climáticas.
No caso da RMC, a principal estratégia vem sendo a construção de reservatórios em Pedreira e Amparo.
Entretanto, esses projetos não vêm sendo desenvolvidos sem controvérsia, considerando seus impactos ambientais e outras questões. Em julho deste ano, o governo estadual rompeu o contrato com as empresas que vinham construindo os reservatórios, com a alegação de atraso nas obras.
Em agosto, o Tribunal de Contas de São Paulo publicou relatório informando que 82% do orçamento previsto para a construção da barragem de Pedreira tinham sido consumidos com as etapas de desmatamento e montagem da fundação. Este percentual corresponde a R$ 189,5 milhões, de R$ 231 milhões que estavam previstos. Por sua vez, ambientalistas solicitaram aos órgãos públicos e também à Assembleia Legislativa a revisão dos estudos de impacto ambiental sobre as obras das barragens.
Em suma, as obras iniciadas em 2018 e que deveriam ter sido concluídas em cinco anos ainda estão longe do fim. A polêmica deve continuar.
Enquanto isso, a RMC precisa continuar buscando alternativas concretas para alcançar a segurança hídrica. As mudanças climáticas não estão para brincadeira, como mostra a quentura dos dias atuais.
José Pedro Martins é jornalista, escritor e consultor de comunicação. Com premiações nacionais e internacionais, é um dos profissionais especializados em meio ambiente mais prestigiados do País. E-mail: [email protected]