Sou um dos milhares de médicos egressos da Faculdade de Ciências Médicas, com muito orgulho! Entrei em 1970 e sou formado na oitava turma desta Faculdade em 1975. Portanto, minha vida acadêmica e profissional está ligada a esta instituição há mais de 50 anos. É uma vida de parceria e dedicação para torna-la uma das mais importantes e respeitadas Instituições de ensino, pesquisa e extensão de nosso país.
A FCM Unicamp teve sua aula inaugural proferida em 20/05/1963 no Teatro Municipal “Carlos Gomes”, que, infelizmente, não existe mais. Portanto, exatamente neste mês de maio de 2023, a FCM está completando 60 anos de atividades ininterruptas e altamente produtivas, em todos os sentidos. A FCM foi precursora da própria Universidade Estadual de Campinas, que iniciou as suas atividades em 1966.
Durante os dois primeiros anos de atividade, utilizou instalações da Maternidade de Campinas para as disciplinas do ciclo básico. Entre 1965 e 1985, portanto durante 20 anos, a Santa Casa de Campinas abrigou a FCM Unicamp.
Foi na Santa Casa de Campinas que tive minha formação médica de graduação. Todos os Departamentos da época, tinham suas instalações e atividades dentro do edifício secular da Santa Casa. Ali, fizemos grandes amigos e colegas que convivemos até hoje. Os professores e alunos tinham uma convivência muito estreita. Além das atividades acadêmicas (aulas, visitas, discussões…), muitas horas de recreação e convivência também aconteciam. Campinas era uma outra cidade, pequena (não mais do que 300-350 mil habitantes) e muitas de nossas atividades recreativas ocorriam no Centro da Cidade.
Muitas e muitas vezes saiamos para comer pastel no “Bar do Voga”; comer sanduiches no “Ponto Chic”, “Giovanetti”, “Facca”; tomar chopp no “Bavaria”, comer pizza no Rosário ou Torre de Pisa (Castelo), etc., etc. Muitos destes locais já não existem mais. Outros, mantém suas atividades até hoje. Jogávamos futebol, pebolim, “ping-pong” etc. com os professores e tínhamos uma forte participação na “Intermed”.
Eu fui Secretário do Diretório Acadêmico “Adolfo Lutz” (na época não podíamos chamar de Centro Acadêmico) e por dois anos Presidente da “Associação Atlética Acadêmica Adolfo Lutz”. Produzíamos o nosso jornal “O Patológico” em mimeógrafo (os menos experientes nem sabem o que é isto) com os riscos inerentes à época.
Em nosso CAAL, uma linda casa de estilo normando na praça Carlos Gomes (que não existe mais, hoje é um Hotel) tínhamos um “sambão”, muito concorrido, todas as 5ªs feiras.
O baile do calouro da FCM era um enorme sucesso com 2-3 mil pessoas, na maioria das vezes no ginásio de esportes do Tênis Clube de Campinas. Era um acontecimento único na cidade. Tínhamos a semana do calouro quando tivemos a oportunidade de trazer (pasmem) Milton Nascimento e Som Imaginário, os Irmãos Villas Boas para um ciclo de debates e etc. etc. A FCM era, certamente, outra. Não se pode dizer melhor ou pior, mas era outra. Eram as condições da época e com os enormes desafios de construir um futuro vitorioso e brilhante.
Fiz minha residência médica também na Santa Casa. Nossa disciplina de hematologia ocupava um pequeno laboratório (embaixo de uma jabuticabeira) ao lado do Departamento de Anatomia Patológica. Naquele laboratório fazíamos tudo o que era possível para o diagnóstico e controle dos pacientes hematológicos.
Nossas enfermarias eram enormes com 33 leitos coletivos (não haviam leitos individuais), tanto masculina como feminina, e compartilhávamos, no mesmo salão, os leitos com as outras disciplinas do Departamento de Clínica Médica. As condições sanitárias eram precárias. Hoje, certamente, a vigilância sanitária não permitiria. Quando vejo agora nosso complexo de saúde e incluindo o nosso Hemocentro, realmente temos um enorme orgulho de quanto fizemos e caminhamos ao longo destas décadas.]
Não havia o SUS (criado pela constituição de 1988) e muitos dos pacientes não tinham acesso à saúde e à previdência social. A Santa Casa e a FCM eram as únicas “portas” para os seus cuidados de saúde. Em 1979 iniciamos a mudança para o novo Hospital das Clínicas com a instalação do bloco F, o prédio dos Ambulatórios. Em 1985 começamos a mudança das enfermarias sendo que o primeiro paciente foi internado em 1986. Nosso Hemocentro foi criado em 25 de novembro de 1985, dia do doador de sangue e fizemos nossa primeira transfusão em março de 1986, já no novo HC.
Foram anos e décadas de muita luta e conquistas. Temos sim que celebrar este momento. Nossa atividade em saúde é muito dura e temos poucos momentos de celebração. Não devemos perder este momento.
É muito importante relembrarmos grandes mestres e colegas que já não estão entre nós. Pela FCM passaram grandes personalidades da medicina, da ciência e da educação em saúde. Seria impossível lembrar e dar o justo tributo a todos eles. Fica aqui a modesta lembrança e nosso agradecimento pela oportunidade da convivência e do aprendizado de vida e profissional. Nós todos passaremos, mas nossa Universidade e nossa FCM ficará por muitos outros 60 anos. Parabéns e vida longa da FCM Unicamp.
Carmino Antônio De Souza é professor titular da Unicamp. Foi secretário de saúde do estado de São Paulo na década de 1990 (1993-1994), da cidade de Campinas entre 2013 e 2020 e Secretário-executivo da secretaria extraordinária de ciência, pesquisa e desenvolvimento em saúde do governo do estado de São Paulo em 2022. Atual presidente do Conselho de Curadores da Fundação Butantan.