Começo este artigo enfatizando novamente que a medicina e as ciências da vida avançaram nestes últimos 50 anos mais do que em toda a história. Há muitos anos se discute os custos estratosféricos para o desenvolvimento e a colocação de um fármaco para uso rotineiro. A “Scientific American” em artigo publicado em 2014 (1), estimou que os custos para trazer um novo fármaco para o mercado mais que dobrou em dez anos.
Este relato foi feito pelo Tufts Center for the Study of Drug Development (CSDD) e enfatiza que os valores podem atingir US$ 2.6 bilhões por apenas uma molécula, um aumento de 145%, já corrigida a inflação (que também existe por lá), sobre as estimativas de 10 anos anteriores. Será que estes números estão corretos?
Possivelmente não, devem ser excessivos tendo em vista alguns destes fatores: 1- Cerca de 50% deste total vem dos valores estimados a partir do possível/eventual lucro direto que poderia ser obtido caso o dinheiro fosse investido em fundos das casas farmacêuticas e que aumentaram cerca de 10% ao ano nos últimos 15 anos (2) ; 2- Os outros 50% são, em geral, impostos pagos durante o processo de desenvolvimento pelas companhias (3).
Assim, uma substancial redução de valores poderia ocorrer caso estes custos não fossem contabilizados trazendo os gastos reais para algo em torno de US$90 milhões. É claro que ainda são valores elevados, mas muito inferiores aos anteriormente apresentados.
Outro aspecto muito interessante desta discussão diz respeito ao tempo de desenvolvimento de remédios desde a sua origem, isto é, o isolamento ou síntese do princípio ativo até a sua real colocação no mercado. A estimativa é de que cada 10000 (dez mil) compostos sintetizados ou isolados, apenas um será colocado “nas prateleiras” para uso terapêutico.
Além deste impressionante e dramático número, o tempo estimado para que isto ocorra é longo e de, em média, 13 anos, sendo 6.5 anos para as fases de descoberta e pré-clínica, seis anos para as pesquisas clínicas de fases I, II, e III e, finalmente, um ano e meio para as fases regulatória e de colocação no mercado. Impressionante ainda é discutirmos qual o grau de sucesso ou se preferirem de frustração com os remédios submetidos a estudos clínicos em várias áreas do conhecimento.
Em resumo, em média, apenas 11% de todas as moléculas obtêm sucesso nos estudos clínicos. Para chegarmos a estes números, foram feitas análises em nove especialidades médicas: artrite e dor; cardiovascular; sistema nervoso central; doenças infecciosas, oncologia; oftalmologia; doenças metabólicas; urologia e; saúde da mulher.
Os piores resultados são obtidos na saúde da mulher e na oncologia, inferiores a 10%. Os melhores resultados são nas doenças cardiovasculares e artrites e dor, em torno de 20%. Se colocarmos as três fases de pesquisa clínica, as que têm maiores taxas de falha são os estudos de fase II. Em nenhuma das especialidades a taxa de sucesso na fase II foi superior a 40%. Ainda que discreta estas diferenças, as melhores taxas de sucesso foram obtidas na fase III. Isto é absolutamente inteligível e esperado tendo em vista que tanto a toxicidade como a eficácia já haviam sido definidas nos estudos clínicos de fase I e II anteriores. Lembrar que, estes estudos são sequenciais, isto é, não se pode fazer um estudo de fase II sem o de fase I e o mesmo em relação a fase III sem a fase II. Apenas lembrando que fase I mede tolerância/toxicidade; fase II trabalha com o binômio resposta-não resposta, isto é, eficácia e, fase III são estudos sofisticados, longos, dependentes do tempo, controlados e comparativos, em geral, aos tratamentos padrões.
Todos estes dados foram obtidos a partir de informações das 11 maiores companhias farmacêuticas do mundo entre os anos de 1990 e 2000 a partir do sistema de monitoramento de dados (Pharmaceutical Benchmarking Study). Analisando com maiores detalhes estes dados temos as seguintes taxas de sucesso nas várias especialidades: 1- artrite e dor, 17%; 2- cardiovascular, 20%; 3- sistema nervoso central, 8%; 4- doenças infecciosas, 16%; 5- oncologia, 5%; 6- oftalmologia- 14%; 7- doenças metabólicas- 11%; 8- urologia, 8% e; 9- saúde da mulher, 3%.
Estes dados aqui reportados são altamente frustrantes e podem explicar, em parte, por que um fármaco quando consegue atingir o estágio terapêutico tem o seu valor extremamente elevado. De certo modo, podemos entender que o remédio de sucesso deve pagar as pesquisas e o desenvolvimento de dezenas ou centenas de outros que foram eliminados nas várias etapas das pesquisas pré-clínicas e clínicas. Isto torna a farmacologia médica extremamente onerosa e lenta, apesar de todos os progressos contemporâneos.
As agências regulatórias tais como o FDA (Estados Unidos), EMEA (Europa) ou Anvisa raramente autorizam remédios ou imunobiológicos sem todas as fases de pesquisas. Exceção, é claro, às eventuais urgências sanitárias como as observadas na pandemia do SarsCov2. Mesmo assim, os laboratórios precisaram completar os seus estudos para a obtenção dos registros definitivos das vacinas.
Mesmo sabendo que este texto é bastante difícil e complexo, é importante que a sociedade compreenda as dificuldades e os custos embutidos no desenvolvimento de remédios inovadores.
Sabemos que a absoluta maioria dos tratamentos é feita com produtos tradicionais e convencionais que “perderam” as patentes e têm suas sínteses liberadas e a custos menores.
O país precisa pensar nisto tudo e preparar suas instituições para os crescentes desafios neste campo da saúde que é a assistência farmacêutica.
(1)- Rick Mullin and Chemical and Engineering: “Cost to develop new pharmaceutical drug now exceeds US$2.5 billion. Scientific American, November 24th, 2014;
(2)- DiMasi JA, et al: J Health Econ 2003;22:151-185;
(3)- Light DW, et al: Biosocieties 2011;6:1-17.
Carmino Antonio De Souza é professor titular da Unicamp. Foi secretário de saúde do estado de São Paulo na década de 1990 (1993-1994) e da cidade de Campinas entre 2013 e 2020. Atual secretário-executivo da secretaria extraordinária de ciência, pesquisa e desenvolvimento em saúde do governo do estado de São Paulo.