Este é meu último artigo neste ano de 2022 que, finalmente, está terminando. Ano extremamente difícil e singular por todos os eventos e desafios nele contido. Tivemos as mais acirradas eleições da história do Brasil, com um país completamente dividido e um pouco atordoado em relação ao futuro e ao seu projeto de nação.
Podemos dizer com satisfação que, apesar dos enormes dramas e embates, a democracia sofreu, mas sobreviveu e venceu. Com todas as batalhas vividas, as instituições deram demonstrações de respeito aos desígnios constitucionais e legais da nação. Porém, nada disto foi obtido sem grandes fissuras e sequelas sociais e políticas que deverão ser curadas e cicatrizadas no futuro, sempre dentro do exercício democrático.
Vivemos este ano ainda sob a égide da pandemia do SarsCov2 agora com suas diversas cepas da variante Ômicron que nos assombraram durante todo o ano, terminando com uma onda avassaladora de transmissão nestes meses de novembro e dezembro.
Certamente, o absoluto relaxamento da população e das autoridades nas ações e recomendações e na utilização de medidas convencionais de proteção, associado ao processo eleitoral onde as aglomerações são uma constante, a ansiedade de participarmos em eventos esportivos, culturais, científico etc. fez com que as condições de transmissão do vírus voltassem e que nova onda se instalasse dentre nós.
Felizmente, um segmento muito expressivo de nossa sociedade está vacinado e, ainda que as vacinas não impeçam a transmissão e a infecção pelo vírus, elas reduzem dramaticamente os eventos e agravos mais severos e de risco à vida. Restam sempre as pessoas não vacinadas (injustificadamente), ou parcialmente vacinadas e os pacientes de maior vulnerabilidade que continuaram a precisar de internações e ainda, infelizmente, com relato de mortes evitáveis.
As vacinas são salvadoras, principalmente as de primeira geração que são as que temos e certamente continuarão a ser salvadoras nas gerações seguintes. Não devemos jamais duvidar disto, mas o desafio da pandemia segue em 2023 e possivelmente também nos anos que se seguirão.
Para a Saúde, alguns desafios serão enormes e improrrogáveis em seu enfrentamento. Já assinalei em meu artigo de 28/11/2022 que o financiamento do SUS é crítico e deverá ser revisto, reformatado e ampliado em muitas das ações. O SUS está subfinanciado com um progressivo “desfinanciamento” nas últimas décadas principalmente por parte do Governo Federal. Devemos elevar o percentual para, pelo menos, 6% do PIB que são os valores de muitos países através do mundo.
Dispositivos constitucionais e legais definiram o % de alocação mínima orçamentária em saúde dos Estados e Municípios em 12% e 15% (17% em Campinas), respectivamente, mas, nunca isto foi definido para o Governo Federal. O teto de gastos, incluindo a EC95, pioraram a situação pois congelaram os recursos federais por 20 anos. Isto está sendo alvo de debates acalorados entre o governo eleito e o Congresso nacional para encontrarmos as alternativas legais para superar este problema.
O SUS não suportará este estado de coisas, precisa haver uma alternativa. Como já disse em outros momentos, a regionalização da Saúde deve ser desenvolvida e organizada em todo o país com as definições das redes de assistência, hierarquizadas e descentralizadas, preceitos básicos da organização do SUS.
Este é um tema dificílimo pois não existem definições legais ou normativas para que isto seja equacionado, mas sem a qual não conseguiremos organizar, dar eficiência e excelência ao sistema com conforto e agilidade à assistência à saúde, aos pacientes e seus familiares.
Outro tema central e que tenho lutado e falado onde posso é sobre o enfrentamento do Câncer. Defendo que dentro da nova política de enfrentamento ao câncer que está sendo construída com a participação do MS, Conasems, Conass, Congresso Nacional, representantes da Sociedade, etc., que o Brasil instale urgentemente um “Programa Nacional para o Câncer” ligado ao Ministério da Saúde à semelhança de outros programas vitoriosos existentes no âmbito do SUS.
Tenho sugerido que, após minucioso estudo de todo o território nacional neste tema, a criação de Centros Integrados de Câncer distribuídos pelo país para garantir acesso e qualidade de acesso, perto de casa aos pacientes com câncer bem como ações de prevenção, educação e pesquisa neste campo. Sugiro ainda, a organização definitiva de redes de câncer e uma total revisão das práticas de financiamento que possam respeitar a evolução da área e as incorporações de novos procedimentos diagnósticos e terapêuticos.
Temos que trabalhar pela equidade na área e promover o acesso com qualidade esteja onde estiver o paciente com câncer em território nacional.
Outros temos críticos ao futuro da saúde, pública ou privada, são a instalação das indústrias da saúde, com apoio absoluto aos Instituto Butantan, Fiocruz, dentre outras já existentes no país; o avanço fundamental das ações em tecnologia da informação (TI) com o registro único do cidadão e o constante desenvolvimento da Telessaúde; a educação e pesquisa em saúde com apoio às áreas prioritárias através de nossas instituições de ensino superior e entes federados e apoio fundamental às residências médicas e multiprofissionais com trabalho conjunto entre os Ministérios da Saúde e Educação/Cultura (MEC); revisão e definição das carreiras em saúde com valorização do trabalho dos profissionais que dão suporte constante às ações em saúde; e, finalmente, preparar os sistemas públicos e privados para novas crises sanitárias que poderão vir no futuro.
Os sistemas públicos (SUS) e privados demonstraram a sua importância na pandemia. Mas, também deixaram claras as suas fragilidades que precisam ser minimizadas. Este é o momento para estabelecer este debate e buscar as soluções. Desejo um ótimo 2023 a todos!
Carmino Antônio De Souza é professor titular da Unicamp. Foi secretário de saúde do estado de São Paulo na década de 1990 (1993-1994) e da cidade de Campinas entre 2013 e 2020. Atual secretário-executivo da secretaria extraordinária de ciência, pesquisa e desenvolvimento em saúde do governo do estado de São Paulo.