O Brasil esteve atento, nos últimos vinte e poucos dias, acompanhando a caçada policial feita para prender o assassino Lázaro Barbosa, lá pelas matas de Goiânia. Ele está morto – em tiroteio com a polícia. E nunca se saberá mais nada a respeito de sua vida de crimes. Isso sim foi uma crônica de morte anunciada.
Mas o que mais me chocou, além da triste vida do assassino Lázaro Barbosa, foi o foguetório alegre pela sua morte e, ainda pior, a maneira como o seu corpo foi carregado e simplesmente jogado dentro de uma viatura, como um saco de lixo qualquer.
Lázaro Barbosa era um doente mental e a Justiça não cuidou para que ele fosse tratado adequadamente pelo seu problema. E da cadeia ele fugiu em três ocasiões. E Lázaro Barbosa agora está morto e, antes, deixou um rastro de assassinatos e de tantos outros crimes.
Lacra-se mais um caixão de bandido e a incompetência da Justiça para ajudar na ressocialização de um detento segue a mesma incompetência sócio-educativa que viceja nas cadeias brasileiras, essas, deve-se dizer, as verdadeiras e grandes hortas da violência nacional.
Bandido bom é bandido morto, anda se dizendo por aí, pelas esquinas, pelas calçadas, ou dentro das cabeças de pessoas que frequentam igrejas e salões paroquiais. Todos os programas de televisão que exploram a violência cotidiana estão assanhados com a morte de um doente mental que, à luz da academia forense/psiquiátrica deveria, há muitos anos, ser tratado pelo que ele era: um doente mental.
E a televisão faz ainda mais macabra a sua busca por mais audiência e, é claro, por mais propaganda.
E assim desligo a televisão e vou tratar de caminhar pelas minhas pandêmicas calçadas – e em cada pedra portuguesa vejo uma lápide para os mortos de Lázaro Barbosa e dos mais de 500 mil mortos pela Covid-19. E o fato é que não tenho tantas orações para tantos mortos – e, muito menos, para os adoentados bolsociopatas – aliás, todos eles, com as quatro patas no chão do velho patriotismo militarista.
E sigo a vida pela minha calçada e olhando os jardins das casas vizinhas, o gerânio, as rosas, as margaridas, a romântica cortininha da sala, rendada, branca e alegre – e assim sigo velhas pegadas de calçada e de olhar ao lado, ver quem vem de lá, e o senhor e a senhora estão no horário certo, cada um acompanhando o passo do outro, na boa e bela coreografia de uma longa vida. E assim paro e fico admirando a vida brasileira passar na outra calçada. Faço e recebo um aceno rápido. E assim seguimos nossos caminhos brasileiros.
Ando ao largo da pracinha da Igreja São Paulo e faço uma pequena oração às vítimas do Lázaro Barbosa e, é claro, a ele também. Não carrego raiva e nem posso julgar a mim mesmo. E nem julgo as trocentas balas que mataram Lampião, Corisco, Maria Bonita e Dadá.
Fico apenas pensando na alma cristã de quem puxou o gatilho para matar quem já estava morto pela perversa vida que levava. Não terá sossego na vida e, muito menos, no confessionário da mais bela e imponente catedral.
Ninguém pode matar ninguém por rancor. E assim Lázaro Barbosa morreu e tudo se acabou. E a televisão seguirá a sua lida de reclames e tantas outras idiotices de violência.
Jesus morreu na cruz e assim estamos ensinados a respeitar a vida do próximo. Lázaro Barbosa e suas vítimas, e meio milhão de brasileiros estão mortos. E os meus passos estão enlutados. A alma brasileira está enlutada. E olho a bandeira nacional da Prefeitura e ela está tremulando de vergonha nacional.
Todas as bandeiras do País estão envergonhadas pelo prazer de ver seus milhões de filhos felizes pela morte de um assassino mentalmente adoentado.
Contra isso, faço a minha parte. E rezo por todos os mortos e, é claro, pelos homens que apertaram seus gatilhos.
Afinal, o dono do dedo do gatilho também terá uma morte moral que não o levará à consciência existencial. E assim ficará como tudo sempre será. E isso é muito triste, pois são almas irrecicláveis.
Zeza Amaral é jornalista, escritor e músico