Todo e qualquer câncer é um desafio, para o paciente, seus familiares e equipe de saúde. É preciso falar de todos os tipos. Esclarecer, educar, prevenir e desmistificar. Quanto mais conhecemos sobre uma doença, maior a chance de cura.
Os linfomas são os sextos ou sétimos tumores malignos mais comuns na humanidade, crescem em sua frequência além do crescimento populacional e são os primeiros entre os cânceres hematológicos. Sua heterogeneidade é única: existem mais de 80 tipos distintos de linfomas! Mas o que é, afinal, um linfoma?
Linfomas são neoplasias dos linfócitos. Cada câncer tem uma célula de origem, onde o processo da doença se iniciou e evoluiu. No caso dos linfomas isso ocorre com os principais coordenadores do nosso sistema imunológico (defesa). Existem, grosso modo, dois tipos distintos de linfócitos, o linfócito B e o linfócito T.
O primeiro tem sua maturação na medula óssea, a “fábrica do sangue”, e depois ganha a circulação sanguínea onde sofrerá diversas mudanças após estímulos imunológicos e contato com agentes e estímulos externos (como bactérias, vírus, vacinas etc.).
O segundo tem sua maturação no Timo, um órgão linfático primário localizado no tórax, na região do mediastino superior, na frente do coração. Este órgão, tipicamente, tem seu pico de função durante o período neonatal e pré-adolescência, exatamente quando o indivíduo é exposto a maioria de agentes externos. E, por esse motivo, tende a regredir para um tecido residual gorduroso durante a vida adulta.
Os linfócitos B tem, como grande função, a produção de anticorpos (proteínas de defesa humoral). Já os linfócitos T exercem seu papel na imunidade adaptativa através de reconhecimento de células “estranhas”, criação de memória imunológica e indução de apoptose (morte celular programada). Quando fazemos um hemograma, na parte de leucócitos, tem o subtipo linfócitos. Essa contagem reflete exatamente esses linfócitos circulantes no momento da coleta do exame. Existe uma proporção maior de linfócitos T na contagem do hemograma em relação aos linfócitos B.
Quando um indivíduo tem um quadro infeccioso de via área superior, por exemplo, comumente aparecem “gânglios linfáticos” (linfonodos) aumentados no pescoço. Isso é habitual como reação orgânica e reflete o aumento dos linfócitos para combater a infecção.
Aqui cabe uma descrição. Em geral os gânglios aumentados por causa infecciosa são dolorosos, por vezes quentes e pequenos. O gânglio linfático ou linfonodo, é a “casa” do linfócito. Quando esse aumento ocorre independente de processo infeccioso sugere alguma doença dos linfócitos.
Por esse motivo, o principal achado de pacientes com linfoma é o aumento de linfonodos (gânglios linfáticos). Isso não é exclusivo do linfoma, pois outras neoplasias podem ter aumento de linfonodos. Mas é bastante característico e o principal sinal para o médico e paciente. Outra queixa frequente são sintomas ditos “sintomas B”. Esses são febre, perda de peso, coceira no corpo e suor profuso.
A febre costuma ser mais no final do dia e pode não ser diária. O suor profuso é algo que precisa ser diferenciado do suor por calor normal de uma cidade quente como Campinas. O primeiro, quando presente, causa troca de roupa pelos pacientes pois ficam encharcadas, em geral, durante a noite.
A associação dos sintomas B com percepção de linfonodo aumentado, especialmente se indolor e grande, deve suscitar pronta pesquisa para o diagnóstico de linfoma. Mas esses achados de forma isolada também já são motivo para pesquisar essa doença.
O diagnóstico de linfoma, assim como a maioria dos cânceres, passa por uma biópsia. Como o mais frequente é o acometimento de linfonodo, esse é o principal local a ser feita a biópsia. Importante salientar que muitas vezes os pacientes, e até os médicos, não percebem o aumento linfonodal. Existem diversas cadeias ganglionares no corpo e muitas delas não são palpáveis pois ficam profundas e próximas a estruturas internas.
Desta forma, exames de imagem capazes de detectar esse aumento são fundamentais na investigação e como apontamento de local para biópsia.
Destaca-se para isso a tomografia computadorizada (TC) e a tomografia computadorizada com emissão de pósitrons (PET-TC). A última em especial auxilia bastante no diagnóstico e como estadiamento da doença, uma vez que mostra locais de atividade metabólica aumentada no corpo (portanto locais de provável acometimento neoplásico).
Como sempre explicamos para os pacientes, o PET serve como uma fotografia da doença. Fazemos uma foto no início do tratamento, para ver exatamente o(s) local(is) de acometimento, e depois comparamos com uma foto no final, para atestar que onde tinha doença não tem mais.
Dentro dos linfomas, dividimos em linfomas não Hodgkin e linfoma de Hodgkin. Este último leva o nome do médico que descreveu a doença no século XIX na Inglaterra, enquanto que o primeiro grupo são todos os outros tipos.
Uma diferença clínica é que pacientes com linfoma de Hodgkin costumam ser mais jovens, ter mais doença localizada em cadeias de linfonodos superficiais e no tórax (mediastino) e apresentar altas taxas de cura com tratamento quimioterápico convencional. Uma outra maneira que se utiliza para separar os linfomas é entre os tipos de linfócito.
Portanto, existem linfomas B e linfomas T. O primeiro grupo, no mundo ocidental, corresponde a 90% dos casos e tende, em geral, a ter uma evolução mais favorável com tratamento que os linfomas T. Além disso, hematologistas também costumam separar os linfomas pela sua evolução clínica.
O grupo de linfomas tido como agressivos são aqueles que necessitam de quimioterapia de forma mais rápida, dada a sintomatologia e risco de complicações sérias sem terapia específica. A possibilidade de cura nesse grupo é maior, todavia, uma vez que uma célula tumoral que prolifera muito rápido tende a responder melhor também a quimioterapia. O outro grupo são os linfomas indolentes. Estes têm uma evolução bem lenta e por vezes não necessitam de tratamento imediato.
Muitos pacientes vivem anos sem qualquer sintoma ou necessidade de intervenção. Contudo, apesar da cura ser possível, esta não é tão frequente quanto no grupo dos agressivos. Por fim, cabe reforçar que os linfomas são um grupo de neoplasias bastante heterogêneo e complexo, mas curável em boa parte dos casos.
Quão mais precoce for seu diagnóstico melhor é para o planejamento terapêutico. Infelizmente, ainda existem atrasos significantes em nosso país de diagnóstico, em grande parte, por desconhecimento de pacientes e das equipes de saúde. Sempre que surgir algum sintoma suspeito, procure atendimento especializado. O diagnóstico precoce em câncer é, em grande parte, a chave o sucesso terapêutico. Nos linfomas não é diferente!
Carmino Antonio De Souza é professor titular da Unicamp. Foi secretário de saúde do estado de São Paulo na década de 1990 (1993-1994) e da cidade de Campinas entre 2013 e 2020. Secretário-executivo da secretaria extraordinária de ciência, pesquisa e desenvolvimento em saúde do governo do Estado de São Paulo em 2022. Atual presidente do Conselho de Curadores da Fundação Butantan.
Guilherme Duffles é médico hematologista, assistente do Centro de Hematologia e Hemoterapia da Unicamp (Hemocentro) e da Rede D’Or/ Hospital São Luiz de São Paulo com notória especialização em linfomas; Mestre em Hematologia e Doutorando do Departamento de Clínica Médica da Unicamp.