Neste mês de julho de 2023 estamos comemorando os 30 anos da inauguração de nossa unidade de transplante de medula óssea (TMO) no Hospital das Clínicas e do programa de TMO ligado ao Hemocentro, ambos da Unicamp. É claro que começamos bem antes, na verdade dois anos antes.
Tivemos o fundamental apoio da Secretaria Estadual de Saúde do Estado que nos aportou um recurso, à época, de US$ 250 mil para a reforma de um semi-quadrante do 4º andar do HC. A unidade de TMO é uma área restrita do HC, com filtração aérea de alta performance e com leitos individualizados (sete). Além disto, fizemos a seleção de toda a equipe multiprofissional e o necessário treinamento, aqui e/ou fora da Universidade. Sabíamos que quando da realização do primeiro TMO tudo deveria estar em ordem.
Assim ocorreu, na medida em que realizávamos o projeto e a execução da reforma da área, os treinamentos eram realizados simultaneamente e os protocolos clínicos e operacionais eram feitos de modo que no primeiro transplante tudo deveria estar na “mesma página”. E assim, após dois anos do início do planejamento e dois meses da inauguração da unidade, que contou com a presença do finado governador do Estado de São Paulo Luís Antonio Fleury Filho, fizemos o primeiro TMO. Isto ocorreu no dia 16 de setembro de 1993.
A partir daí muita coisa mudou, evoluímos muito, ampliamos as indicações, elevamos as idades de transplantes (no início até 45 anos, hoje até 70 anos dependendo da doença), ampliamos as modalidades de transplantes, fonte de células tronco etc., etc. Nossa unidade jamais parou.
Ainda que tivéssemos necessidades de reparos, reformas, ajustes, trocas de equipamentos, novos profissionais, intercorrências de diversas ordens, etc., sempre fizemos transplantes em todos os anos de sua existência. 30 anos após, estamos na mesma unidade, apesar do extraordinário crescimento da população e da demanda bem como os avanços científicos, técnicos e tecnológicos deste longo período. Fizemos, em média, 60 TMOs por ano. Isto nos traz a quase 2000 TMOs no período.
Quantos pacientes atendidos e quantas vidas foram salvas com este procedimento. O mais relevante é que nossos resultados clínicos podem ser comparados aos melhores serviços do mundo. Nossos dados foram completamente coletados desde o primeiro transplante e estamos inseridos nos melhores e mais importantes registros de transplantes de medula óssea do mundo (CIBMTR e EBMT, respectivamente, americano e europeu).
Dados da Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (ABTO), nos colocam como quarto centro que mais transplantou no Brasil, a frente de entidades tradicionais e de grande relevância acadêmica e assistencial. Do ponto de vista acadêmico, fomos pioneiros na implantação da célula tronco mobilizada e obtida a partir do sangue periférico tendo sido o centro a fazer e publicar estudo de fase II e o primeiro estudo randomizado neste campo. Ambos estes estudos foram teses de doutoramento defendidas na Unicamp.
Posteriormente, fomos integrantes de importante meta-análise desenvolvida por vários centros e grupos de pesquisa do mundo, organizada pela Universidade de Tampa nos EUA com o apoio do NIH (National Institute of Health) e publicada em revista de alto impacto. Do ponto de vista científico temos muito orgulho do que produzimos. Foram publicados 84 artigos científicos completos em revistas indexadas relacionados ao transplante; centenas de resumos e comunicações em eventos científicos nacionais e internacionais, 15 teses de mestrado; nove teses de doutorado, formamos quatro cientistas em nível de pós-doutorado e recebemos oito prêmios em Congressos nacionais e internacionais.
Participamos da criação da Sociedade Brasileira de Transplante de Medula Óssea (SBTMO). Aliás, o ato de criação da SBTMO foi feito e assinado pelos instituidores aqui em nosso HC em abril de 1996. Com toda esta experiência, novamente e juntamente com o HC da Unicamp e com a Universidade de São Paulo (São Paulo e Ribeirão Preto), Butantan e apoio da Fapesp, estamos nos preparando para a implantação da terapêutica do Car-T-Cell (receptores antigênicos quiméricos de linfócitos T), com acesso a pacientes do SUS. Esta é uma extraordinária e fascinante fronteira do tratamento genético do câncer.
Quando falamos e discutimos os projetos do Car-T, nos lembramos certamente do início da década de 90 quando estávamos planejando nossa unidade de TMO. O tempo passou, mas, nossos compromissos estão cada vez mais sólidos em relação a ampliação e melhoria da vida de nossos pacientes. Celebrar é preciso. Trinta anos passaram muito rápido.
É fundamental fazer este relato e prestação de contas a nossa sociedade que sempre e incondicionalmente nos apoiou e nos apoiará sempre. O legado está aí, mas, o importante, é seguir adiante com energia e competência.
Devemos agradecer de maneira absoluta a todos os que nos ajudaram. Foram muitos e seria impossível lembrar de todos pois certamente esqueceríamos alguns, o que seria imperdoável. Esta é uma construção coletiva. Cada colega e colaborador desta vasta equipe multiprofissional e de gestão foi fundamental para que chegássemos até aqui.
O futuro será sempre mais desafiador e fantástico. Vamos seguir trabalhando e gerando ciência e assistência de excelência para o elevado bem-estar de nossa gente.
Carmino Antônio De Souza é professor titular da Unicamp. Foi secretário de saúde do estado de São Paulo na década de 1990 (1993-1994) e da cidade de Campinas entre 2013 e 2020. Secretário-executivo da secretaria extraordinária de ciência, pesquisa e desenvolvimento em saúde do governo do estado de São Paulo em 2022 e atual Presidente do Conselho de Curadores da Fundação Butantan.
Afonso Celso Vigorito é médico hematologista, com doutorado pelo Departamento de Clínica Médica da Unicamp, pós-doutorado no Fred Hutchinson Cancer Center – Seatle – EUA e supervisor da unidade de TMO do HC e Hemocentro da Unicamp.