A máxima de que religião e política não se discutem caiu por terra há muito tempo. Agora, ambas andam de mãos dadas no segundo turno da eleição presidencial. Pior: com ânimos exaltados, a poucos dias da definição dos rumos do País, os fiéis deixaram a civilidade de lado e levaram para os templos – lugar sagrado – os insultos que costumam marcar boa parte dos debates em redes sociais.
Quem costuma ir às igrejas católicas na Região Metropolitana de Campinas (RMC) pode estar correndo o risco de assistir algum bate-boca entre os seus frequentadores. Até agora não há notícia de barraco ou ofensas. Mais que discussões, o que vídeos que estão circulando nas redes sociais mostram são fiéis indignados com os sacerdotes, acusando-os de fazer apologia à esquerda ou à defesa de temas contrários ao pensamento mais conservador.
As evidências dos últimos bate-bocas mostram que não se trata de uma guerra santa entre católicos e evangélicos no estrito termo da diferença entre as duas correntes cristãs. O que se denota é uma clara divisão entre grupos da direita e da esquerda. E no meio dessa cisão, a agora escancarada ruptura de bons modos sobre os pensamentos divergentes dentro da própria religião.
E essa falta de respeito invadiu de forma ensandecida as igrejas nos últimos dias.
Circulam na internet vídeos com frequentadores de templos católicos acusando os padres de posicionamento político. Há exemplos em Jacareí (SP), Campo do Tenente (PR) e Fazenda Rio Grande (PR). Os três casos ocorreram durante as missas. Fiéis exaltadas levantaram de seus bancos e passaram a falar em tom alto contra os sacerdotes que faziam a homilia. As cenas foram gravadas por outros presentes, que estavam nos bancos. Não se sabe se os autores dos vídeos fizeram as cenas em repúdio às situações agressivas ou para reforçar o que consideram um desvio na pregação do Evangelho.
Veja os exemplos
O Hora Campinas vasculhou a internet e encontrou esses três casos. Todos eles noticiados por portais da imprensa tradicional, mas também por veículos alternativos, como a Mídia Ninja.
Em Jacareí (SP), o sacerdote da igreja São João Batista foi repreendido por duas fiéis por ter citado a vereadora carioca Marielle Franco, assassinada em 2016 no Rio de Janeiro por milicianos. Uma das fiéis grita para que ele não toque mais no nome de Marielle Franco dentro da igreja. Ele falava de violência no momento. “O senhor não vai falar de uma mulher homossexual, envolvida com o tráfico de drogas, uma esquerdista do PSOL, que apoia a identidade de gênero”, asseverou a mulher. “O senhor também defende o aborto?”, perguntou outra.
Caso similar aconteceu em Fazenda Rio Grande, no Paraná. O padre iniciaria o ritual da consagração da Eucaristia, quando foi interrompido ao dizer o seguinte: “o Deus da vida nunca estará ao lado de quem prega a violência”. Uma mulher reagiu e gritou: “O Deus da vida é a favor do aborto? O senhor está pedindo voto pro Lula?”. Outros fiéis reagiram da mesma maneira, condenando o padre. A missa estava sendo transmitida ao vivo, mas a gravação foi interrompida.
Outro bate-boca ocorreu em uma igreja católica em Campo do Tenente, também no Paraná. “Só está havendo mentiras dentro dessa igreja”, gritou uma mulher que reproduzia insistemente que o PT iria “fechar as igrejas” e que o partido “apoia coisas ruins”. Ela insistiu que o padre fazia campanha para o candidato petista Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Essa mulher estava vestida com uma camiseta com o rosto de Bolsonaro e a frase “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”. Houve tumulto com a gritaria dela e a missa se dispersou.
Guerra de narrativas usa até vídeos fora de contexto
Na disputa ferrenha que se trava no ambiente virtual, apoiadores de Lula e Bolsonaro buscam todas as formas de influenciar o eleitor. De fake news a desinformação. De baixaria a conteúdo fora de contexto.
Um desses vídeos que circulou na última semana é de uma bronca que o bispo diocesano de Jundiaí deu durante uma homilia. Ele circula nos perfis de nomes de relevância da esquerda, entre eles Manuela D’Ávila, ex-deputada pelo PCdoB. O vídeo está sendo retuitado e viralizou. Ele é real, mas é do ano passado. No entanto, suas falas poderiam muito bem encaixar no momento atual, diante da escalada de violência verbal contra os representantes da Igreja Católica.
No vídeo, dom Arnaldo Cavalheiro Neto diz o seguinte: “Se você está aqui, nesse momento, nessa Igreja. Está me acompanhando nas redes sociais, e acredita mesmo que o papa é vagabundo, que o papa é safado, que a CNBB é um câncer da Igreja e dom Orlando é um bispo que usa a batina para manipular o povo de Deus, fazer politicagem, levante-se agora e vá embora! Eu não quero você aqui! Levante-se agora, vá embora e não volte! Sabe por quê? Não sou eu quem estou te mandando embora. É você que já não está em comunhão com a Igreja. Você já não pertence mais a esta Igreja”.
O vídeo do bispo, porém, é de outubro do ano passado e se refere aos ataques ao papa Francisco, ao arcebispo de Aparecida, dom Orlando Brandes, e à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) feitos pelo deputado estadual Frederico Braun d’Avila (PSL-SP) por causa de uma homilia de dom Brandes na festa de Nossa Senhora Aparecida do ano passado.
Por conta desse vídeo retuitado, a diocese de Jundiaí emitiu uma nota oficial no último dia 15 de outubro, esclarecendo que aquela fala “se refere a fatos ocorridos no ano passado”, “sem ter relação com o contexto atual das eleições”.
Segundo a nota da diocese, “dom Arnaldo Carvalheiro Neto faz um pronunciamento de desagravo à Sua Santidade, o papa Francisco; à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB); e a dom Orlando Brandes, arcebispo de Aparecida”, e que “se refere a fatos ocorridos no ano passado, quando ainda era bispo da Diocese de Itapeva (SP), sem ter relação com o contexto atual das eleições”.
O conteúdo parece, portanto, ser tão atual, que está se multiplicando nas redes sociais. No final de sua bronca, dom Arnaldo ressalta que a CNBB “tem uma posição, mas você pode discordar, nunca faltar com respeito”. “Não admito isso”, continuou. “Estou sendo claro. Não estou mandando recado, não. Não estou falando com meias palavras. É para se levantar, ir embora e procurar outra igreja. Tem tantas, não?! Chega de brincadeira! Chega de brincadeira”, encerrou o religioso.