“Boa Sorte, Leo Grande” (Good Luck to you, Leo Grande, Reino Unido, 2022, 97 minutos, 16 anos), de Sophie Hyde, comprova que os ingleses são recatados até em “condições extremas” – para usar expressão que caberia no roteiro do filme cujos diálogos estão repletos de eufemismos.
Na aristocrata Inglaterra, verdadeira “lady” e autêntico “sir” protagonizam (mais falam e sugerem do que executam) as possibilidades sexuais todas em cenas pudicas tendo por base diálogos escritos de modo a suavizar o sentido das palavras e ações. Exageros à parte, até a rainha se sentiria confortável em assisti-lo junto à família real.
Justificável, pois não há grosserias; afinal, o tema não é o sexo.
O bom roteiro de Katy Brand se parece a peça teatral, gênero que os ingleses dominam muito bem. São dois personagens: a professora aposentada Nancy Stokes (Emma Thompson) e o garoto de programa Leo Grande (Daryl McCormack, autodenominado terapeuta sexual.
Eles estão em cena em quase todo o filme, que se passa no mesmo cenário – quarto de um hotel. Há uma sequência no hall com a presença da ex-aluna de Nancy, Becky (Isabella Laughland).
Bom exercício para a diretora Sophie Hyde, que se vale das muitas variações no posicionamento da câmera e que, em conjunto com a edição, estabelece ótimo ritmo à encenação. E há duas razões para isso: roteiro e atuações.
O roteiro não traz novidades. Nem as situações engraçadas resultam de cenas inusitadas ou surpreendentes – pelo contrário, são previsíveis. A força dele está na capacidade de acentuar a complexidade dos personagens.
Nancy, 31 anos de casada, desconhece o orgasmo e as comuns práticas sexuais de um casal. Segundo ela, o marido obedecia rígida rotina na qual, sem se preocupar com a parceira, apenas ele se satisfazia.
Ao contratar profissional do sexo, Nancy esnoba os idosos (da mesma forma que homens maduros procuram mulheres jovens) com a intenção de experimentar o que só existia na fantasia dela.
Em dado momento, ela sugere a Leo tirar a camisa e pede permissão para tocar-lhe ombros, costas, braços e peito. Fica atordoada porque experimentou sensação desconhecida. “É desejo sexual”, diz Leo. Não só, pois podemos, também, desejar carros, apartamentos, viagens, doces.
Nancy anseia mais que sexo. Almeja se desvencilhar das amarras às quais a vida inteira se viu atada, esquecer o vício de acentuar os próprios defeitos e libertar a mente visando descobrir a beleza em um corpo no qual o tempo deixou inevitáveis marcas.
Sexo casual? Foi só a maneira encontrada por ela de vislumbrar essa libertação na prática, longe de casa, com desconhecido, sujeito com quem não precisará estabelecer laços e que será devidamente pago.
Porém, quebrar bloqueios requer custos. Os medos chegam de todos os lados, sente-se inferiorizada ante ao corpo jovem, bonito e perfeito de Leo, ameaça fugir, chora, lembra (sem saudade do marido), evoca os filhos, se culpa e dança uma bela dança. Faz o chamado “sexo oral”, quer dizer, ansiosa, fala o tempo todo porque o tamanho da libertação desejada é proporcional ao medo de alcançá-la.
Leo, na visão da própria Nancy, deve ter sido abandonado ou sofreu com a pobreza. Nada disso. Ele se encontra confortável no papel assumido.
Quando ela o investiga e pergunta se a mãe (ou o irmão) sabe da profissão dele, a resposta é desconcertante: “digo que trabalho em refinaria de petróleo”.
Chega a elogiá-lo quando Leo afirma que paga a faculdade com o dinheiro ganho e, logo, desmente, rindo, porque encara a atividade como outra qualquer. Não há motivos nobres para praticá-la, mas nem por isso se sente sujeito torpe.
O filme homenageia “The Graduate” (1968), no qual a sra. Robinson (Anne Bancroft) seduz o recém-formado Braddock (Dustin Hoffman). O sobrenome real de Nancy também é Robinson. Assim, a primeira noite de um homem, título brasileiro do filme de Mike Nichols não é do jovem inexperiente, mas da mulher de 55 anos que ignora meandros das relações sexuais.
Quanto as atuações, não é demais destacar Emma Thompson. Ela ocupa de modo consciente o claustrofóbico quarto e entrega interpretação minimalista adequada ao espaço. Para tanto, exercita com talento os gestos, as expressões, os movimentos e as intenções. Sem o mesmo porte da atriz, Daryl McCormack faz bem o que se espera dele.
A impactante cena final revela um corpo e seu tempo e a coragem de Emma Thompson em assumir o papel de Nancy. E demonstra que “Boa Sorte, Leo Grande” não é filme sobre sexo, mas sobre libertação.
O filme estreia nesta quinta-feira, 28/7, nos cinemas. Em Campinas, pode ser visto na rede Cinépolis do Galleria Shopping