Não quero ouvir música. E muito menos ler uma poesia, um livro e sequer uma notícia qualquer no jornal do dia. Busco um pouco de paz para os meus olhos, uma paisagem de um velho e uma velha andando de mãos dadas em alguma calçada da cidade.
Estou em cansaço de explicar o que sou a mim mesmo. E assim acento nenhum sigo a palavra que me diz para não ir por aí sem pensar nas artimanhas que escondem as esquinas, e a cabeça vazia por onde entra o tinhoso, o senhor das dúvidas e do desespero.
Qualquer coisa me diz para pensar e encontrar uma razão para seguir em frente.
O depoimento das testemunhas convocadas para Comissão Parlamentar de Inquérito da pandemia do Senado é um amontoado de covardes políticos. De um lado e de outro, com raras exceções. Mas de ambos os lados as palavras chegam envergonhadas aos ouvidos do povo brasileiro.
Ligo no ‘iotube’e escuto o violeiro Levi Ramiro, amigo e parceiro. E o som da sua viola acalma e faz a tarde ficar tranquila. E assim compreendo a vida que tenho para levar. E não dou mais importância aos tais testemunhos da CPI do Senado. Não vale a pena ficar pensando nos negacionistas e terraplanistas que foram ministros do presidente Jair Messias Bolsonaro. Não valem nada. E seus argumentos menos ainda. Dominguinhos acabou de cantar “Sabiá”, de Luiz Gonzaga e José Dantas. Rolando Boldrin interpreta versos e assim vou ficando ainda mais calmo.
Escrevo agora sem os hormônios hepáticos. Apenas deixo os dedos seguirem pelas pedras do teclado e vou imaginando o dia em que a humanidade voltará a se abraçar, a andar pelas ruas sem medo do outro que cruza o seu caminho, ou por contágio ou por contagiar, visto que a recíproca é verdadeira.
Estou na varanda do apartamento e vejo lá embaixo no estacionamento a menina Hanah, filha do casal Priscila e Martin que mora no nono andar. Todas as tardes costumo andar no estacionamento e sempre vejo a menina Hanah brincando com a sua bola de borracha. E por alguns minutos jogamos a pelota (ela chama a bola de pelota). E o seu sorriso alimenta a minha esperança de deixar a ela um País alegre como ela. E assim venho nos últimos quase ano e meio vendo-a crescer e sorrir ao lado da sua mãe.
E bem me lembro que tive mãe, pai e sete irmãos. E também um campinho de futebol e bola de meia. Aliás, tenho duas guardadas na gaveta de meias, que fiz com as minhas próprias mãos, guardadas que estão para dar de presente a alguma criança. Uma delas, bem sei, será para a menina Hanah. Sei que é apenas um simples presente quase bobo pelos tempos da minha memória infantil – mas bem sei que seus pais irão guarda-lo para quando a menina Hanah se alegrar com o mundo que lhe aguarda, com os seus pássaros, nuvens, ventos, chuvas, canções e pelotas.
Vou passear pelo quarteirão e Hanah está brincando com a tarde, e, é claro, a embelezando com a sua cabeleira matizada de um pôr de sol aloirado. E assim vou fazer a minha caminhada entardecida, agora ainda mais esperançada, lembrando das minhas netas, e dos meus filhos ainda pequenos andando comigo pelas calçadas do Jardim Guanabara…
Volto pra casa após caminhar por uns trinta minutos e levo um ramo de amor-agarradinho para enfeitar o sorriso da moça-que-manda-em-mim. Ela arranjou uma pequena e elegante garrafa para acomodar o raminho de flores.
E assim escrevo o fim desta crônica acompanhado de amor-agarradinho e em paz com a vida que tenho por serventia do Tempo. E é assim que ando por estes tempos sombrios, sem reclamar, apenas tratando de agradecer as manhãs, as tardes e as noites que tenho ao lado de uma moça que muito me honra pelo seu carinho. E bem sei que o raro leitor sabe que na prosa da vida cabe ainda muito mais de boas lembranças. Mas, por enquanto, vou ficando por aqui. Inté.
Zeza Amaral é jornalista, escritor e músico