Nestas últimas semanas temos ouvido falar muito desta cirurgia de prótese de quadril devido a necessidade de o presidente da república passar por este procedimento. É claro que, nestas circunstâncias, as especulações são grandes e a desinformação segue a mesmo caminho. Os autores deste texto se conheceram nesta circunstância, um como paciente precisando da cirurgia em certo caráter de urgência (Carmino) e outro o fisioterapeuta responsável por preparar o paciente para a cirurgia e sua posterior reabilitação (Bruno).
Posso antecipar que uma prótese de quadril bem indicada e cuidada pode mudar, para melhor, a vida e a qualidade de vida do paciente. Entretanto, não é simples e deve ser cuidada com todo o rigor e profissionalismo para evitar maior sofrimento ou intercorrências no pós operatório. A prótese total de quadril (PTQ, no meio médico) é considerada “a cirurgia ortopédica do momento”.
Já em 2005 esperava-se um aumento de mais de 300% no número de cirurgias para a substituição dessa articulação por um par tribológico (interação entre duas superfícies diferentes em contato e com atrito e desgaste constante) de metal e polietileno no mundo inteiro até o ano de 2030.
Já estamos em 2023 e pode ser que já tenhamos alcançado esses números projetados há mais de 15 anos. Isso porque já existem trabalhos científicos comprovando a eficácia dessa cirurgia na diminuição da dor no quadril, principalmente aquela na região da virilha que dificulta calçar o sapato, subir escadas, diminuir o arco de movimento, causar rigidez matinal por pelo menos uma hora pela manhã todos os dias e que atrapalha o sono muitas vezes devido a dor.
A principal causa do apelo a substituição total da articulação é o processo degenerativo- inflamatório crônico chamado osteoartrose do quadril. Esta, pode acontecer em qualquer parte do corpo, certamente. E acontece. Costumo dizer que ossos e articulações “são como pneus, começam rodar, começam gastar”. Mas, se você usar bem, devem durar muito mais…
Contudo, os processos de envelhecimento e degeneração são vistos, infelizmente, no corpo todo. Por exemplo, nossas rugas e cabelos brancos, vêm inexoravelmente. O principal ponto aqui que causa uma queda importante da qualidade de vida e da autonomia, é a dor, muitas vezes incapacitante. Rugas e cabelos brancos não doem, mas, às vezes, a osteoartrose pode doer, e muito. E é a sintomatologia do paciente e a decisão da equipe médica que definem o tratamento cirúrgico. Existe, sim, tratamentos sem cirurgia (medicamentosos e fisioterápicos) para esses problemas e que podem também ser eficaz.
Mas pode ser que não sejam suficientes para resolver de vez o problema, e isso acontece majoritariamente nos casos da chamada osteoartrose avançada do quadril (diagnosticada pela avaliação clínica e com ajuda dos exames de imagem hoje cada vez mais avançados). E para esses casos a PTQ pode ser a melhor saída.
A cirurgia deve ser feita por um cirurgião de quadril especializado neste procedimento que não é simples e ou isento de riscos. A cirurgia tem um tempo variável dependendo do paciente, mas, em média, dura pouco mais de uma hora. Importante é que o paciente pode andar em algumas horas, com andador e suporte fisioterápico.
Normalmente, a recuperação tem duração de quatro a seis meses, e deve ser orientada por um fisioterapeuta, também treinado e preparado para ter os melhores resultados. As dores iniciais são comuns no pós operatório por se tratar de uma cirurgia de grande porte. Por experiência própria eu diria que o primeiro mês é difícil, mas tudo passa e a vida volta ao normal depois do período de reabilitação. Mas, em geral, as dores são menos intensas do que a que o paciente convivia diariamente, antes do procedimento.
Movimentos de sentar e levantar de forma independente são recuperados por volta de quatro a seis semanas após a cirurgia e a independência de marcha e autocuidado pode ser alcançada em até dois meses.
Para mim, a fronteira para a autonomia foi o dia que consegui colocar as meias, foi uma festa!
Existem riscos cirúrgicos, obviamente, tais como a luxação de prótese, as infecções e a trombose que devem ser levadas em consideração, mas também são mitigadas com os cuidados pós cirúrgicos, clínicos, medicamentosos e fisioterápicos, que temos aprendido com a experiência e estudos publicados a respeito.
Como visto, podem aparecer algumas limitações no início da reabilitação dessa cirurgia, mas, ao final, o paciente pode retomar atividades físicas que antes lhe foram arrancadas como andar à vontade, andar de bicicleta, correr, praticar esportes e enfim, ter vida praticamente normal e cuidando para o constante fortalecimento dos tecidos que dão constante suporte à prótese.
Boa sorte aos pacientes que dela necessitam pois, como já dissemos, podem mudar a vida para melhor. Estes são os nossos maiores objetivos nas ciências da saúde, “dar vida e qualidade de vida aos seres humanos”.
Carmino Antônio De Souza é professor titular da Unicamp. Foi secretário de saúde do estado de São Paulo na década de 1990 (1993-1994), da cidade de Campinas entre 2013 e 2020 e Secretário-executivo da secretaria extraordinária de ciência, pesquisa e desenvolvimento em saúde do governo do estado de São Paulo em 2022. Atual presidente do Conselho de Curadores da Fundação Butantan.
Bruno de Paula Leite Arruda é fisioterapeuta do Instituto Wilson Mello Alves da equipe da CineticsPhysio e membro do grupo de cirurgia de quadril e pelve da PUCC e especialista em dor crônica.