Ao citar as lesões e um programa de treinamento extenuante que deixou seu corpo como se estivesse “desmoronando”, a ginasta Simone Biles, de 24 anos, que conquistou um bronze na trave depois de desistir de outras quatro finais nas Olimpíadas de Tóquio, afirmou: “Tenho que me concentrar na minha saúde mental”. Parar é sempre complicado, seja aos 20, quando se é famoso, ou aos 60, no caso de trabalhadores anônimos que batem cartão todos os dias.
Biles concluiu que a saúde mental é mais importante nesse momento.
“Temos que proteger nossas mentes e nossos corpos e não apenas sair e fazer o que o mundo quer que façamos. Não confio mais tanto em mim mesma. Talvez seja o fato de estar ficando mais velha. Não somos apenas atletas. Somos pessoas, afinal de contas, e às vezes é preciso dar um passo atrás”, acrescentou a ginasta norte-americana de maior sucesso de todos os tempos, que além de quatro ouros, ganhou um bronze na Rio 2016.
Os atletas param mais cedo do que os milhares de cidadãos comuns que exercem suas profissões por mais de 35-40 anos. Alguns sofrem muito com isso, outros se reinventam e encontram outras atividades, até pelo fato de o valor do benefício ser pequeno. Concordo com a atleta quando ela fala da importância de cuidar da saúde mental. Isso vale para todos nós, independentemente da profissão que exercemos.
Confesso que adoro os profissionais mais velhos. Os médicos com décadas de carreira me encantam, da mesma forma que professores e outros que executam seus ofícios com talento e determinação durante a maior parte da vida.
Mas também admiro quem sabe sair de cena na hora certa, como foi o caso de dois brasileiros famosos na televisão: Jô Soares e Marília Gabriela. Sinto falta dos dois, mas admiro a coragem que tiveram ao abandonar suas funções como apresentadores ainda no auge. Acho digno.
Infelizmente, nem sempre é possível fazer o mesmo. Vejo muitos aposentados fazendo bicos ou investindo em outra profissão depois de três ou quatro décadas batendo cartão, finais de semana de plantão, férias raras e pouco tempo de contato com as suas famílias. Muitos infartam no meio do caminho, ganham sérios problemas de saúde e chegam a óbito, tamanho é o desgaste de querer parar e não conseguir.
Em A Velhice, a pensadora francesa Simone de Beauvoir escreveu que, com a aposentadoria, o homem tem descanso e lazer, mas também graves desvantagens, como empobrecimento e desqualificação.
Estudiosa do tema, a professora Teresa Amabile, da Harvard Business School , constata que os primeiros meses de aposentadoria são sinônimo de uma verdadeira crise existencial. Afastar-se do trabalho por aposentadoria gera crise por conta da dificuldade em aceitar a imagem estigmatizada da inatividade. O ser humano é transformado pelo trabalho, ao produzir dá sentido à vida, e quando para se sente descartado.
O vínculo empregatício, com salário e estabilidade, dá segurança ao trabalhador. Quem produz se sente incluído, e quem deixa de produzir se sente excluído, quase um fardo para a sociedade. Ao mesmo tempo que a aposentadoria é a fase da vida de escolhas prazerosas de uso do tempo, é também de preocupação: o que fazer com as horas livres? Muitos trabalhadores temem essa fase de mudanças que altera a rotina familiar e distancia a pessoa do convívio com os colegas.
O trabalhador tem horror ao imaginar que se aposentar é deixar de ser útil. É como se perdesse espaço e importância.
Claro que alguns conseguem aproveitar o tempo livre e fazer novas conquistas, mas para tanto é preciso planejar, se preparar. A ginasta Biles disse: “Há vida além da ginástica”. Tá certa ela. Há vida também fora das empresas em geral. Mas nem todos podem parar. No caso dela, outras oportunidades certamente vão surgir, mas em se tratando de trabalhadores comuns, sessentões, o cenário é bem diferente.
Infelizmente, a palavra aposentadoria, para quem já trabalhou grande parte da vida, ainda está ligada ao início da velhice e ao fim de uma jornada profissional de muita dedicação, prazer e também estresse. Não há por parte da maioria das empresas, um olhar para essas pessoas que merecem ser vistas nesses momento delicado. Sem a rotina de trabalho, a pessoa tem tudo para aproveitar os dias, todos livres, mas se sente perdida, sem rumo, até pelo fato de a renda diminuir e a necessidade de trabalhar persistir.
Sorte de quem pode parar sem se preocupar com a conta bancária. Penso em mais dois apresentadores: Faustão, com 71 anos de idade, e Ana Maria Braga, com 72. Ao observá-los, sinto que há uma paixão pelo trabalho que muitas vezes se mistura ao receio de parar e se arrepender, como se a vida só tivesse significado do jeito que experimentam há décadas. Entendo, mas imagino o vidão que teriam fora do ar.
Triste é acordar, depois da aposentadoria, preocupado com as despesas, com o plano de saúde que não dá pra manter, e com inúmeras outras perdas ligadas ao setor financeiro, sempre ele, uma pedra no sapato.
Mas, como disse a ginasta Simone Biles, há vida inteligente fora do nosso quadrado, portanto, é possível reconstruir a identidade perdida e, em muitos casos, maltratada pela perda de status. Basta buscar outros objetivos e assumir a nova fase. Pode não ser fácil, mas é possível.
Janete Trevisani é jornalista – [email protected]