Os últimos dias dissiparam qualquer dúvida que por acaso ainda existia quanto ao fato de que o Brasil não está imune às mudanças climáticas e que as políticas públicas implementadas até aqui não são suficientes para uma resposta adequada. O país pegou fogo, de Norte a Sul, de Leste a Oeste.
Mais de 4 mil dos 5.700 municípios brasileiros com seca histórica. O rio Paraguai com níveis negativos recordes, e no rio Madeira o mesmo cenário. E queimada por toda parte, fazendo com que 60% do território nacional tenham sido atingidos pela fumaça.
Por causa dos focos de incêndio, três estados já atingiram níveis recordes de emissão de dióxido de carbono, de acordo com o observatório europeu Copernicus: Amazonas, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.
No estado de São Paulo, o panorama se repetindo, com espantosa intensidade. Várias cidades da região de Campinas sofrendo com o fogo e a fumaça. Incêndio ontem no Pico das Cabras, um lugar simbólico, emblemático, por nele estar situado o Observatório Municipal Jean Nicolini, felizmente não atingido pelas chamas. O local de contemplação e estudo justamente do céu, tão encoberto e triste nos últimos dias, aqui e Brasil afora.
De fato, uma das constatações óbvias é a de que são necessárias políticas públicas muito mais eficazes para enfrentar o que está acontecendo e o que ainda está por vir, que pode ser muito pior. Para um ou outro lado. As estimativas são de que as mudanças climáticas devem provocar ou chuvas intensas, levando a situações como as que o Rio Grande do Sul vivenciou recentemente, ou cenas como as atuais, de secas devastadoras.
Em qualquer hipótese, a palavra-chave é prevenção.
O que está sendo feito e o que pode e deve ser feito para a segurança hídrica a curto, longo e médio prazos? Campinas está tomando medidas importantes, como a construção de muitos novos reservatórios. Mas e o restante dos municípios da região e de São Paulo, que já passaram por situação quase catastrófica há 10 anos, quando houve uma seca igualmente ameaçadora, levando o Sistema Cantareira ao volume morto? Por que algo não pode se repetir, e logo?
E também tem a questão da segurança energética. O Brasil tem a maior parte de sua eletricidade gerada por usinas hidrelétricas, o que é positivo em termos de impacto nas mudanças do clima, pela baixa emissão de carbono. Entretanto, se uma forte estiagem se prolongar por muito tempo, como ficam os reservatórios?
Diante desse quadro geral, é inquietante verificar que a maior parte das candidaturas a Prefeituras e Câmaras Municipais, no atual processo eleitoral, não contempla propostas consistentes relacionadas à temática das mudanças climáticas e socioambientais de maneira geral. E isso em todas as partes do Brasil.
Em Porto Alegre, diante do que aconteceu com as enchentes, o tema está naturalmente no centro das campanhas à Prefeitura. Mas seria muito relevante que neste mês de setembro, especialmente fustigado por queimadas derivadas das mudanças do clima associadas com ações criminosas, o assunto tomasse conta das campanhas eleitorais em todo país.
Seria muito pedagógico e útil para o Brasil. Para que as novas gestões municipais estejam mais voltadas para uma paisagem que é irreversível e cada vez mais assustadora. O que as sociedades fizeram desde a Revolução Industrial, gerando mais e mais emissões de gases de efeito-estufa, por queima de combustíveis fósseis, desmatamentos ou outras modalidades, está se refletindo agora, no clima global. E continuará se refletindo, em escala crescente e demolidora.
Outra lição que a atual onda histórica de queimadas traz é que a temática socioambiental precisa estar muito conectada com as questões de saúde.
As duas áreas ainda não tiveram um diálogo fértil, apesar das evidentes conexões. São incomensuráveis os efeitos das queimadas e da estiagem em geral nas condições de saúde de muitas pessoas, sobretudo das mais vulneráveis.
Enfim, os responsáveis pela gestão socioambiental e pela saúde precisam conversar mais, atuar mais em sintonia. Em Porto Alegre e outras cidades gaúchas, as enchentes contribuíram para provocar ou alimentar muitas doenças. O mesmo pode ser dito no caso das queimadas e seca em geral. Dezenas, talvez centenas de brasileiros já morreram por insuficiência respiratória agravada pela fumaça em proporção inédita.
De novo, as candidaturas às Prefeituras e Câmaras Municipais têm propostas ligando meio ambiente e saúde? São propostas factíveis, que vão à raiz do problema ou são apenas superficiais?
O momento brasileiro é crítico, gravíssimo. Que esse momento esteja de alguma forma refletido nesse período tão importante, decisivo, que é o de eleições municipais. E que a polarização verificada ultimamente não prejudique algo que é do interesse geral da Nação e do planeta.
José Pedro Martins é jornalista, escritor e consultor de comunicação. Com premiações nacionais e internacionais, é um dos profissionais especializados em meio ambiente mais prestigiados do País. E-mail: [email protected]