Nosso título, mais do que um aforismo de Hipócrates é um compromisso das profissões de saúde na busca do bem-estar do ser humano. Vamos falar da DOR. Todos já experimentaram este desagradável desconforto. E bastam três letras para nominar o fenômeno capaz de levar um indivíduo a situações extremas, amplamente exploradas no cinema Hollywoodiano, ou buscar um profissional da saúde para ajudá-lo. Ela tem várias formas e, muitas vezes, não espera hora ou lugar para acontecer. Há a dor no tornozelo após uma entrada mais dura do adversário durante um jogo de futebol; a dor na região da coluna lombar que dificulta sair da cama pela manhã; ou aquela dor que nunca não vai embora, em qualquer parte do corpo, e muitas vezes se torna uma – indesejável – parte de nós. Ela é um sinal vital, não à toa lhe damos tanta atenção, mas sua classificação como tal nem sempre foi assim.
Foi graças a um esforço multidisciplinar das áreas da saúde para que, por fim, a dor fosse entendida como um sinal vital e avaliada em conjunto com outros sinais e sintomas para se entender uma doença, suas características, classificar a urgência de atendimento e direcionar os tratamentos. Além disso, a dor é um fenômeno fundamental para a existência humana, pois, caso não a sentíssemos, não viveríamos muito. Aqueles que não sentem dor têm a chamada “insensibilidade congênita a dor”, algo sedutor em primeiro momento, mas perigoso por significar a perda de um alerta vital.
Fisiologicamente, a dor é uma resposta, não uma causa. Essa resposta vem após um estímulo, sempre. Nós recebemos estímulos o tempo todo, que são identificados por estruturas específicas e transmitidos até o centro de tomada de decisões de corpo, o cérebro. Ele recebe todas as informações de tato, temperatura, pressão e nocicepção – quando uma parte do corpo se sente ameaçada. Uma vez que o cérebro identifica essa informação de ameaça, especificamente, ele precisa julgar se aquilo coloca o corpo em risco e mandar um sinal para procuramos ajuda, a dor.
Contudo, o funcionamento do nosso corpo não é tão simples assim. Toda essa informação é transmitida de forma química, microscópica, e sujeita a diversas interferências. Essas interferências podem ocorrer por conta do estilo de vida de uma pessoa, como sedentarismo e tabagismo, ou anormalidades psicológicas como ansiedade, estresse crônico, síndrome do pânico e depressão, por exemplo. Além disso, questões socioeconômicas como grau de formação e renda, bem-estar familiar e laboral também são fatores relevantes.
Por fim, a genética e a anatomia – esta última a ser observada principalmente na área ortopédica e fisioterápica – influenciam na transmissão de informações ao nosso cérebro, inclusive a informação da dor. Por isso, é fundamental uma abordagem biopsicossocial no tratamento de um paciente com dor para entende-lo como um todo. Importante pontuar, ademais, que existem basicamente quatro tipos de dor: a dor nociceptiva, que decorre de uma agressão física ao corpo, tal qual uma batida ou entorse; a dor oncológica, proveniente de agressões a nível celular, decorrentes da presença de algum tipo de tumor; dor neuropática, quando os nervos periféricos do corpo estão sofrendo agressões; e a dor nociplástica, que ocorre quando o sistema nervoso está muito sensibilizado e interpreta qualquer sinal como ameaça. E pasmem, todos os tipos de dores são reais! Ou seja, “a dor da sua cabeça”, a chamada “frescura” ou, pior, dizer que “isso é psicológico” não são diagnósticos de tratamento descritos nos termos da Organização Mundial da Dor (sigla IASP em inglês) ou da Sociedade Brasileira de Estudo da Dor (SBED).
Todas as dores citadas acima devem ser avaliadas pelo profissional da saúde e entendidas em conjunto com a possível doença para um tratamento eficaz. Além disso, a dor pode ser dividida em dor aguda ou dor crônica – dor de longa duração- de acordo com a IASP. A primeira tem duração de até três meses, já a segunda é classificada quando ultrapassa esses três meses. Ambas podem ser resolvidas e até cessadas.
A dor crônica demanda uma equipe multidisciplinar para seu controle, pois, além de atenção aos gatilhos que desencadeiam os sintomas, terapias físicas, químicas e psicológicas são necessários controles destas variáveis que interferem na dor crônica. Isso ocorre por não se tratar somente de uma questão física, mas de anormalidades física, fisiológica, bioquímica e comportamental associada a informações de defesa automáticas e inconscientes e que nosso cérebro transmite para nos proteger de qualquer ameaça. Contudo, existem casos em que ela não pode ser cessada. Nesses casos a procura por bem-estar, funcionalidade e qualidade de vida são o foco dos tratamentos especializados em dor.
Nada mais é importante para o tratamento da dor, porém, que ouvir o paciente, interpretar os sinais fisiológicos, mecânicos e psicológicos apresentados por ele, bem como delimitar o tempo do sintoma apresentado. Mas, acima de tudo, praticar a empatia e entender o conceito biopsicossocial são ferramentas fundamentais que o profissional da saúde tem para cuidar de um paciente com dor. E ferramentas assim não podem ser deixadas de lado, por isso, use-as.
Carmino Antônio De Souza é professor titular da Unicamp. Foi secretário de saúde do estado de São Paulo na década de 1990 (1993-1994) e da cidade de Campinas entre 2013 e 2020. Atual secretário-executivo da secretaria extraordinária de ciência, pesquisa e desenvolvimento em saúde do governo do estado de São Paulo.
Bruno de Paula Leite Arruda é fisioterapeuta do Instituto Wilson Mello de Campinas e CineticsPhysio, membro do grupo de cirurgia de quadril e pelve da PUCC e especialista em dor crônica.