Por conta da pandemia, supõe-se, a Academia de Hollywood encontrou dificuldades para escolher nove longas em condições de disputar o Oscar de melhor filme de 2022. Esta é a única justificativa para “O Beco do Pesadelo” (Nightmare Alley, EUA, 2021, 2h31 min.), do mexicano Guillermo del Toro, ter recebido quatro indicações, incluindo a de filme.
A fotografia (as outras são figurino e desenho de produção) merece, de fato, ser nominada. O dinamarquês Dan Laustsen cria imagens (não belas, pois trata-se de suspense com violência) sustentadas por luzes artificiais de um colorido fosco que, no entanto, exercem fascínio porque nos transportam para o mundo do pesadelo referido no título e corroboram para estabelecer o ambiente dramático proposto pela direção.
Essa atmosfera imagética predomina a primeira parte que se passa em misto de circo com parque de diversões. O filme respira ao ser transportado para fora desse círculo perdido no nada e embarca nos shows do protagonista Stanton Carlisle (Bradley Cooper), encenados em hotéis.
Como se trata de filme de época – antes da Segunda Guerra –, percebe-se que o respiro era aparente, porque as imagens perdem a atmosfera onírica, mas os hotéis, o consultório da doutora Lilith Ritter (Cate Blanchett), a casa de um dos alvos de Stanton e as ruas mantêm o clima de desconforto próprio dos filmes do gênero.
O diretor gosta desse desconforto como se explicita em “A Espinha do Diabo” (2001) e “O Labirinto do Fauno” (2006) e “A Forma da Água” (2017), saudados pela crítica e premiados, e com roteiros próprios. Ele também assina (com Kim Morgan) “O Beco do Pesadelo”, mas trata-se de remake de filme noir, “O Beco das Almas Perdidas”, de 1947.
Afora o efeito alcançado pela fotografia, o filme se perde no tempo excessivo de 2h30. E não seria difícil ao editor cortar uns 30 minutos. Toda a primeira parte no tal circo/parque de diversos tem cenas dispensáveis.
Não apenas daria ritmo ao filme, narrado em compasso lento – como se lentidão fosse condição do suspense – como não faria falta. Muitas cenas são reiterativas; outras, se cortadas, ninguém notaria porque nada acrescentam de significativo e ficam sem função narrativa. E, em dado momento, o filme se arrasta.
Salvaria, se os atores estivessem bem. Bradley Cooper, no papel do vilão, é limitado. Ganha de presente e perde a chance de se impor na cena final que, até pode ser criticada pelo conteúdo moralista e simplório, mas foi resultado de personagem forte. Com interpretação nada convincente, a sequência é retrato dos equívocos do filme.
Mas quem tem Cate Blanchett não deveria reclamar. Ela é excepcional; entretanto, se acomoda no papel inexpressivo de psicanalista apática que caminha com o corpo duro – expressão que caberia na personagem, mas não cabe na atriz. Os bons Rooney Mara, no papel de Molly, a namorada de Stanton, Toni Collette e Willem Dafoe são coadjuvantes competentes que não se firmam na história.
E a história dá espaço para homem mau, sem caráter, aproveitador e criminoso assumir protagonismo que não o leva a nada – a não ser colher frutos da ambição desmedida e da capacidade de se aproveitar da ignorância e carência humanas.
Para compor o cenário de escuridão, o diretor abusa da violência explícita. Ocorre que o mundo anda tão violento que somente aqueles que apreciam filmes dessa natureza se convencerão a assisti-lo. Com razão alguém argumentará que esse é o mundo real e, que, ao evitá-lo passa-se atestado de alienação.
Porém, o mundo real não se constituiu, apenas, de violência. Mesmo se fosse, não custa imaginá-lo um pouco mais humano. E não custa supor que violência não é imprescindível para o suspense acontecer. E Del Toro sabe disso.
Mas, para ele, a sugestão dada pela fotografia criativa (e pesada), a ambientação opressiva e os personagens que vivem desprovidos de qualquer sentido na vida não bastaram para demonstrar que estes eram elementos suficientes para realizar o suspense. Foi preciso carregar nas tintas.
João Nunes é jornalista e crítico de cinema
O filme está em cartaz no Cinépolis, do Shopping Galleria, em Campinas