Até a tarde desta terça-feira, 5 de setembro, eram 22 as mortes provocadas pelo ciclone extratropical no Sul do Brasil. A região tem colecionado uma sequência de eventos climáticos extremos, mas não tem sido a única. Em fevereiro deste ano, mais de 60 pessoas morreram em decorrência de fortes chuvas seguidas de enchentes em São Sebastião e outras áreas do Litoral Norte de São Paulo.
Nos últimos dias, os registros de eventos extremos se multiplicaram pelo planeta. Incêndios históricos no Havaí e no Canadá, ondas de calor intenso no Oeste dos Estados Unidos e na Europa. Tudo a ponto de o secretário-geral da ONU, António Guterres, afirmar que “a era da fervura global chegou”. Ele tem razão, considerando que, segundo a Organização Meteorológica Mundial (OMM), recordes de temperatura estão se sucedendo.
A causa é mais do que sabida e comentada aqui em outras oportunidades. As mudanças do clima, ou o colapso do clima, como Fritjof Capra já definiu, estão sendo aceleradas e os governos não estão encontrando o caminho certo para frear a escalada da emissão de gases de efeito-estufa, resultante da queima desenfreada de combustíveis fósseis. O fenômeno El Niño colabora para agravar ainda mais o cenário.
Um relatório divulgado na segunda-feira, 4 de setembro, pela organização ActionAid Internacional, colocou mais uma vez o dedo na ferida. O documento revelou que, ao contrário de diminuir, o estímulo ao uso de combustíveis fósseis só tem aumentado desde o Acordo de Paris, assinado em 2015 e pelo qual a maioria dos países se comprometeu a fazer esforços para que as temperaturas globais subam no máximo 1,5 grau até o final do século.
Conforme o relatório de ActionAid, o sistema bancário internacional concedeu 3,2 trilhões de dólares às indústrias de combustíveis fósseis para ampliar suas operações no Hemisfério Sul, entre 2016 e 2022. Assim, os grandes bancos globais abriram de vez as torneiras para alimentar a indústria do petróleo, gás natural e carvão no Sul global, a região mais afetada pelas mudanças climáticas.
Por outro lado, segundo o relatório, os países desenvolvidos no Hemisfério Norte gastaram somente 22,2 bilhões de dólares em projetos voltados para o enfrentamento das mudanças climáticas. Um valor muito distante dos 100 bilhões de dólares que chegaram a ser prometidos e repetidos nas últimas Conferências do Clima (COPs).
A equação é simples e a conta não fecha. Para que a meta de aumento de no máximo 1,5 grau seja alcançada, é preciso investir muito mais globalmente em energias renováveis e menos nos fósseis. Entretanto, pelo que vimos, o oposto vem ocorrendo.
A avalanche de recursos para a indústria dos fósseis acontece em um momento em que grandes produtores desses combustíveis procuram lavar a sua imagem. É o caso da Arábia Saudita, que tem investido bilhões de dólares em várias modalidades esportivas. O exemplo notório mais recente é o do futebol e o que era impensável há alguns meses agora é realidade: o campeonato saudita é o atual objeto de desejo de grande parte dos jogadores e seus ávidos agentes. O Sauditão é até transmitido nos canais de televisão… do Brasil!
Tirando esse aspecto aparentemente folclórico, mas nada inocente, de lado, a questão é que parece não haver mais tempo para barrar a escalada do aquecimento global. No caso do Brasil, ah o Brasil, também temos as contradições de sempre.
O Brasil tem grande parte de sua energia elétrica produzida de fontes consideradas limpas, em termos de emissão de gases de efeito-estufa. Claro, estamos falando das usinas hidrelétricas.
Também há avanços promissores em investimentos em outras fontes renováveis.
Atualmente a capacidade instalada de produção de energia elétrica no país é de 209,1 gigawatts de energia. Até 2029 é previsto um acréscimo de 129,5 gigawatts e mais de 90% dos projetos são de energia solar e eólica, de acordo com um estudo da Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel).
Entretanto, ao mesmo tempo, temos o projeto de expansão da maior empresa do país, a Petrobras, contemplando a exploração de petróleo na Amazônia. Uma polêmica que ainda vai render muito nos próximos meses.
As alternativas estão na mesa. Insistir nos fósseis é o fim. Para muitos o ponto de não retorno já passou. Enquanto isso, que pelo menos o Brasil invista em estruturas de fato eficientes para enfrentar os impactos das mudanças do clima. Parece que a Região Sul é particularmente vulnerável em termos de eventos extremos. Mas não podem ser descartados outros pontos sensíveis pelo território brasileiro. O que não pode haver ou continuar havendo é a inação, que é o que se vê de forma generalizada e dominante, no mundo e também por aqui, com raras e pontuais exceções de iniciativas louváveis.
José Pedro Martins é jornalista, escritor e consultor de comunicação. Com premiações nacionais e internacionais, é um dos profissionais especializados em meio ambiente mais prestigiados do País. E-mail: [email protected]