Durante as fases mais agudas da pandemia de Covid-19, esse pesadelo ainda não digerido e nem compreendido plenamente pela humanidade, eu me surpreendia com algumas mensagens da natureza, que insistia em exclamar que a vida continuava lá fora. A mais bela delas era o canto diário e com hora geralmente marcada do bem-te-vi, que vinha nos acordar com sua poesia vocal. A vida continuava e estava à espera de momentos melhores, nos avisava a pequena ave.
Mas e se o bem-te-vi não existir mais? Mas e se tantas outras aves desaparecerem? E se tantos outros animais e insetos sumirem do mapa? Infelizmente essa ameaça existe e está sendo acelerada pelas mudanças climáticas cada vez mais intensas e impactantes.
Com importância equivalente ao que o IPCC tem para a questão das mudanças climáticas, a Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES), que monitora a aplicação da Convenção da Diversidade Biológica (CDB), estima em um milhão o número de espécies ameaçadas atualmente.
Seria a confirmação de que estamos vivendo a sexta grande extinção de espécies na história da vida no planeta.
Pois são claros os indícios de que as mudanças climáticas estão incrementando os riscos para muitas espécies ameaçadas, como no caso das mais frágeis, os insetos. São muitos insetos ameaçados, mas o caso das abelhas é particularmente alarmante. Responsáveis por grande parte da polinização, e portanto da produção agrícola, as abelhas estão morrendo por vários fatores.
Excesso de agrotóxicos, destruição de habitats etc. E as mudanças climáticas são um ingrediente a mais a ameaçar a vida das abelhas, cujo desaparecimento seria fatal inclusive para a humanidade, que em muitas situações não teria mais do que se alimentar.
Um dos efeitos das mudanças do clima é que, com o desabrochar precoce de flores, por eventos de calor extremo, como os que ocorreram nos últimos dias no Brasil, as abelhas ficam com menos tempo para praticar a polinização. Outra consequência é que, com as temperaturas mais altas, algumas espécies de abelhas estão intensificando a migração para climas mais frios. Com isso são afetados os padrões de reprodução dessas espécies, entre outros resultados.
Mas espécies maiores, aparentemente mais resistentes às intempéries, estão sendo seriamente ameaçadas pela aceleração das mudanças climáticas. Quem imagina por exemplo que o urso polar possa desaparecer. Um animal magnífico, com aquele porte, aquela beleza natural?
Pois é o que pode ocorrer, se continuar o processo de derretimento das áreas de gelo onde os ursos polares vivem, e esse fenômeno está sendo detectado com frequência por instituições como a Organização Meteorológica Mundial (OMM).
O mesmo em relação a espécies que têm seu habitat a milhares de quilômetros das zonas geladas, como os elefantes asiáticos, que vivem entre a Índia e Sudeste da Ásia. Os padrões de reprodução desses animais espetaculares estão sendo drasticamente alterados por mudanças nas temperaturas nos locais onde vivem, seja com secas mais intensas ou inundações mais fortes, que deixam muitos elefantes órfãos.
Os impactos negativos das mudanças climáticas também estão sendo observados drasticamente na biota marinha. Desde pequenas espécies, como o krill, até as maiores, como as próprias baleias. O krill é um crustáceo minúsculo que tem seu habitat abaixo das camadas de gelo.
Como estas estão derretendo rapidamente em áreas como a Antártida, o krill está sumindo, o que é uma ameaça também para os pinguins Adélie, típicos dessa região. O krill é um dos principais componentes do cardápio desses pinguins tão queridos e celebrados.
O caso das baleias começa a ficar alarmante. Depois de uma luta de décadas contra a sua extinção anunciada, por causa da caça, a população das baleias voltou a aumentar, mas a intensificação das mudanças climáticas tem representado um risco novo e inquietante.
A temperatura das águas dos oceanos é crucial para os padrões de reprodução, alimentação e migração das baleias.
Como essa temperatura tem aumentado em velocidade alarmante, são alterados esses padrões e algumas espécies de baleias já estão sentindo os impactos. As baleias francas do Atlântico Norte, por exemplo, estão tendo que migrar a distâncias muito maiores à procura de seus alimentos tradicionais, que estão sendo afetados justamente pelo aquecimento das águas oceânicas.
Os corais estão particularmente ameaçados com o superaquecimento das águas dos oceanos. São centenas de espécies ameaçadas e em desaparecimento com a acidificação dos oceanos, decorrente das mudanças do clima. Com isso são ecossistemas inteiros, construídos pelos recifes de coral, ameaçados e desaparecendo, impactando então outras espécies.
Algumas espécies já desapareceram em função das mudanças do clima. Caso do sapo dourado que vivia na Costa Rica e que foi extinto por causa das transformações nos padrões de chuvas, que afetaram o seu modo de reprodução. Uma perda e tanto dessa espécie minúscula, de oito centímetros, mas com um dourado amarelo-alaranjado brilhante, que chamava a atenção em seus locais de moradia, onde chegavam a viver por até dez anos. E isso ocorreu na Costa Rica, reconhecidamente um dos países que melhor protegem a sua biodiversidade!
Outra espécie extinta é a do rato de cauda que só era conhecido na ilha de Bramble Cay, localizada na Grande Barreira de Corais. A extinção ocorreu em razão da elevação do nível do mar, eliminando o habitat desse pequeno roedor, que tinha 100 gramas no máximo.
As grandes conferências do clima, como a recente COP-28 em Dubai, viram um grande balcão de negócios, em que dinheiro é o tema principal. Quanto custa isso, quanto será destinado para aquilo. O principal às vezes não está em discussão. O equilíbrio e a beleza da vida.
Eu não gostaria de viver em um mundo sem a lindeza dos ursos polares, a majestade dos elefantes da Índia, a graça dos pinguins Adélie. Os bem-te-vis não estão nas listas de espécies ameaçadas de extinção. Mas até quando? E quando eles não tiverem mais insetos de seu cardápio e que podem sumir pelas mudanças do clima ou perdas de habitat?
Eu quero continuar ouvindo bem-te-vis e não os bate-estacas dos prédios sendo construídos em velocidade estonteante aqui pertinho de casa.
José Pedro Martins é jornalista, escritor e consultor de comunicação. Com premiações nacionais e internacionais, é um dos profissionais especializados em meio ambiente mais prestigiados do País. E-mail: [email protected]