É amassando e sentindo a textura da mistura, que leva basicamente água, trigo, sal, ovos e fermento, que Norma Rodrigues Pereira, 65 anos, percebe se a massa do pão, um dos alimentos mais universais existentes, já está ficando no ponto certo. E ela também faz questão de colocar uma bolinha da massa em um copo de água, pois, quando essa bolinha sobe, Norma consegue saber a hora exata de a massa ir para o forno. E, aos poucos, o cheiro de pão quentinho vai invadindo as salas do CAIS – Centro de Apoio e Integração do Surdocego e Múltilplo Deficiente, em Campinas.
Norma é surdocega, uma condição que resulta da combinação de acentuadas limitações na visão e audição. Ela é uma das alunas que frequentam o projeto Pão Nosso iniciado em novembro de 2022 e cujo objetivo é capacitar os frequentadores a serem independentes e protagonistas de suas escolhas, inclusive na cozinha.
Faz 15 anos que Norma perdeu a visão total, mas a audição começou bem antes. “Só me dei conta que não estava enxergando quase nada quando eu procurava a chupeta do meu filho e não achava. Nestes anos fui aprendendo a fazer tudo o que já fazia, mas de uma forma diferente. Também fui desenvolvendo outras sensibilidades, como, por exemplo, do cheiro e também com as mãos”, conta.
A pedagoga do CAIS, Cibele Martins Lona, responsável pela oficina do pão, conta que o processo de aprender a fazer pão começa bem antes do ‘modo de preparo’. O primeiro passo é trabalhar a mobilidade deles na cozinha. “A professora de orientação e mobilidade vai até a casa de cada um e trabalha com a localização no espaço”, conta Cibele.
Em seguida eles são apresentados aos ingredientes, as unidades de medida e o timer. “Com isso, eles vão se preparando para aprender a fazer a massa de várias formas. Tem receitas que vão ser feitas usando as mãos, outras serão feitas na batedeira, assim, vamos ampliando as possibilidades”, explica.
Já a participante Norma destaca que, por mais que já cozinhe em sua casa, está encantada com a oficina de pão: “Estou aprendendo formas diferentes de fazer o pão e acertar nas medidas, e isso tem sido encantador”.
Cibele diz que esse trabalho vem ao encontro do que o CAIS acredita: “O símbolo do CAIS é uma borboleta e vejo cada um deles saindo do casulo, e isso me emociona muito. Esse trabalho contribui para resgatar a dignidade deles e fazê-los enxergar suas capacidades. Eu sou! Eu posso! Eu consigo!”.
Kátia Camargo é jornalista e se surpreende a cada dia com novos aprendizados que a vida presenteia. Em sua visita ao CAIS conheceu a comunicação háptica, que complementa a forma de se comunicar utilizando partes neutras do corpo, como braço, costas e pernas, para poder passar informações complementares aos surdocegos. Para este texto escolheu a música Cio da Terra, onde o trecho “Debulhar o trigo/ Recolher cada bago do trigo/ Forjar no trigo o milagre do pão/E se fartar de pão”, nos convida a sentir a vida de forma diferente e bonita!
Para conferir a música: