Muitos casais passam pela triste experiência de uma briga mais acalorada, às vezes até com agressões físicas. Tudo se inicia com umas palavras ou com gestos e atitudes simples, aparentemente sem importância, ou ao menos completamente desproporcional ao desfecho que acaba causando. E então se discute, proferem-se palavras que jamais gostaríamos que houvessem saído da boca, que ofendem e machucam profundamente.
Quando a cena grotesca chega ao seu final, imerge-se num terrível silêncio. Cada qual procura se refugiar num canto da casa ou, dependendo das proporções e das condições, busca-se refúgio momentâneo na casa dos pais, ou ainda se recolhe numa igreja fazer oração, ou se esconde na mesa de um bar… Enfim, é comum a momentânea separação que tenta abafar o abatimento do corpo e a amargura da alma.
E eis que esses sentimentos são agravados por uma grande dúvida: o que fazer? Buscar uma reconciliação imediatamente? Manter uma frieza e indiferença no trato por algum tempo?
Dependendo do temperamento de cada um, buscar imediatamente uma reconciliação talvez não seja a melhor saída. É que uma breve faísca pode reacender a chama dos sentimentos e recomeçar uma discussão com consequências ainda piores.
Uma imagem pode nos ajudar. Contemplemos o comportamento do nosso corpo diante de uma lesão mais grave talvez. Imaginemos – ou recordemos – o que acontece após uma queda com fratura, corte e hematoma. De imediato vem o inchaço, o sangue que sai da ferida e a dor lancinante. Após os cuidados médicos, paulatinamente, a dor atenua, o sangue dá lugar a uma casca, que cicatriza. Depois de dias ou meses, a dor cessa e restam apenas os vestígios do acidente.
As cicatrizes, com o tempo, se incorporam ao nosso modo de ser, tanto que nem lembramos mais delas.
Se a briga é dessas mais sérias, a paciência será uma grande aliada na recomposição do que se rompeu, na cura das feridas deixadas. Nesse itinerário, muitas vezes doloroso, é fundamental não alimentar o rancor com a memória daquilo que aconteceu, ou, pior ainda, dando asas à imaginação que vai procurar motivos pouco nobres para o comportamento do outro, acirrando ainda mais os sentimentos negativos. Permitir isso, seria a mesma atitude néscia de alguém que convalesce de uma queda e volta ao lugar do acidente para repetir a mesma ação que tanto dano lhe causou.
É momento de deixar o tempo agir. Mas não se trata de uma inatividade pura e simples, que por si só não levará a lugar algum. É tempo de crescer para dentro, rezar pelo outro, fomentar boas recordações, procurar com coragem reconhecer a nossa parcela de culpa e, principalmente, fomentar a disposição para perdoar, por mais dolorosa que nos tenha sido a atitude do outro.
Agindo assim, surgirá, no tempo certo, serena e afável, a reconciliação.
Gosto de lembrar de uma cena de um vaso quebrado. Imaginemos um vaso de grande valor sentimental que por um acidente se espatifa no chão. Após a perplexidade de ver aquele objeto valioso atirado ao solo, marido e mulher tomam a resolução de consertá-lo juntos. Então, estudam qual é a melhor cola, juntam as peças e, depois, com muito cuidado, vão colando uma a uma. No começo é mais difícil, parece que as peças não se encaixam. Com o tempo, vai-se ganhando destreza e habilidade, de modo que as essas vão se encaixando perfeitamente. Ao cabo de algumas horas ou alguns dias nesse trabalho minucioso e delicado, a peça é recomposta.
De volta ao se local, quando nos aproximamos daquele objeto, pode se notar que foi reconstruída. Porém, para aqueles que participaram dessa reconstrução, a peça se tornou muito mais bela. Um valor inestimável lhe foi acrescentado, tanto que se lhes perguntassem se gostariam que ela jamais houvesse quebrado, talvez dissessem que não, pois não teriam oportunidade de reconstruí-la juntos. Com isso, readquire uma beleza toda original, cheia de sentido para aqueles que participaram dessa empreitada.
Assim pode ser a vida do casal após grandes discussões ou brigas.
Elas deixam marcas que nem o tempo vai apagar. Porém, com o passar dos dias, meses e anos, incorporam-se na anatomia do casamento, dando-lhe mais força, vigor e beleza.
Fábio Henrique Prado de Toledo, casado com a Andréa Toledo, pai de 11 filhos e avô de 2 netas. Moderador em cursos de orientação familiar do Instituto Brasileiro da Família – IBF. Especialista em Matrimônio e Educação Familiar pela Universitat Internacional de Catalunya – UIC, é Juiz de Direito em Campinas. Site: www.familiaeeducação.com.br. E-mail: [email protected]