Um amigo me liga e digo que estou como o mundo, globalizado, pandêmico, isolado de tudo e de todos. E muitos conhecidos morreram por conta da Covid. E foram muitos; e muitos seriam apenas um. Seiscentos e tantos mil mortos e o presidentinho da nossa republiquinha faz muxoxo e diz que morrer faz parte da vida. O que, aliás, trata-se de uma facada na democracia. Na dele e nas dores de milhares de pais, mães, parentes e amigos dos mortos por conta da inépcia do governo federal.
São tempos esquisitos de lidar com a sobrevivência. Precisamos nos isolar e usar máscaras e lavar as mãos. É tão difícil cuidar da nossa vida, e, é claro, da vida dos outros? E assim fui tomar a terceira vacina no Centro de Saúde do São Bernardo. Tudo agendado e correto. E fui atendido às 14:57, conforme combinado. E assim voltei para casa.
O presidente da República não acredita em vacina. Aliás, ele não acredita em nada. Nem na democracia. Ele gosta mesmo é de torturar a realidade e fazê-la confessar o que ele quer ouvir. Mas os fatos, assim como as cartas das ciganas não mentem jamais. E aí temos os mesmos 14 milhões de desempregados que Lula e Dilma deixaram para trás – e que o Bolsonaro faz o possível para que continuem desempregados.
Terceira via é o acostamento de qualquer estrada de terra. E assim muita gente sonha com um novo mito que venha a salvar o País. Não há terceira via. Não existe nenhum estadista no banco de reserva. Não existe ninguém além do voto de cada um dos brasileiros. E o mesmo do mesmo vai se referendar nas próximas eleições. Não existe nada além do que já existe no mundo político do Brasil. Tudo é o mais do mesmo.
Já enfrentei setenta e cinco primaveras, uma ditadura de 21 anos, e tive que suportar pagode e sertanejo universitário. É a vida que não pedi para não viver e mesmo assim segui em frente. E vou seguir do mesmo jeito. Ainda temos Bach, Tom Jobim, Oswaldo Guilherme, Moretti Bueno, Jota Toledo, e uma legião de outros grandes artistas, Hilda Hist, Drummond de Andrade, Mario Justino, Maria Alcina, Maísa, Dolores Duran, os violeiros João Arruda, Levi Ramiro, o cantador saudoso Dércio Marques.
Tenho tantos outros na ponta dos meus neurônios. E eles não caberiam aqui. Apenas estão em paz no colo da minha memória…
A besta prosa segue pelas calçadas da Rua Sacramento. Sigo até a avenida Barão de Itapura e faço uma pequena visita à velha seringueira da Praça Mauá. Somos amigos de mais quarenta anos. Ela sabe tanto de mim quanto eu não sei da minha vida. E ela apenas se deixa abraçar pelos meus olhos. E assim nos despedimos e nos prometemos seguir em frente. E logo em seguida veio uma ventania e uma boa chuva. E o resto foi uma prosa com as pedras da calçada.
Zeza Amaral é jornalista, escritor e músico