Viúva Negra (Black Widow, 2021, EUA, 2h14 min.) segue todos os códigos dos filmes de ação. Mas, em vez de homens fortões exibindo músculos por todos os lados, imagem associada desde sempre às produções do gênero, o elenco é quase todo formado por mulheres – homens só nos papéis de coadjuvantes. Os produtores da Marvel Studios tiveram o cuidado até para escalar a direção e ela foi entregue, também, a uma mulher, a australiana Cate Shortland. Felizmente, como se vê, os tempos mudaram. A cultura machista que se cuide.
As mulheres cumprem, como deve ser, a trajetória dos conhecidos heróis impolutos, vencedores, dotados de superpoderes e dispostos a enfrentar quaisquer perigos para acabar com o mal. Algumas diferenças estão bem evidentes: maior leveza nas coreografadas lutas e intensificação dos dramas existenciais, acentuados, obviamente, a partir do viés feminino.
Natasha Romanoff (Scarlett Johansson) sente saudade da infância na antiga casa em Ohio (Estados Unidos), preocupa-se com as raízes familiares, é mais suscetível às emoções e mais afetuosa (mesmo ante a uma inimiga), além de solidária com a irmã Yelena (Florence Pugh). E, curioso, em dado momento, ela classifica um homem, Rick (o inglês O.T. Fagbenle), de “sensível”.
Ou seja, luta-se, mas sem perder a ternura.
Quebrando a regra, o roteiro impecável foi escrito por um homem, Eric Pearson, que segue todas as indicações dos manuais. Constrói, por exemplo, preciso e alucinante prólogo no qual junta em poucos minutos a história que propiciará entendimento ao mais analfabeto espectador de aventuras de super-heróis. Neste caso, heroína.
Nele, antiga canção dá o tom do que veremos. “Este é o dia da minha morte”, canta a família acompanhando Don McLean em American Pie. E, nos créditos iniciais, o espectador se surpreende com os versos “Carregue suas armas/ traga seus amigos”, de Smells Like Teen Spirit. Mas não se ouve o desesperado Kurt Cobain cantar, nem se escuta o baixo belo e impositivo de Krist Novoselic nem a bateria envolvente de Dave Grohl. A música do Nirvana na voz da africana de Malawi, Malia J. S., ficou melancólica, mas manteve-se poderosa.
A história tem pouca importância – não há novidade quando se trata de filmes de heróis.
Natasha irá se separar da família (pais e irmã) e, logo, a encontraremos adulta. Ela tem passado de espiã e está sendo perseguida por vilão que pouco aparece, Draytov, o britânico Ray Winstone.
Aliás, boa parte do elenco principal vem do Reino Unido, o que seria garantia de qualidade interpretativa – o americano David Harbour é uma das exceções. Contudo, nesse tipo de filme (cuja concepção pertence mais ao produtor que ao diretor), tudo é um tanto padronizado e nem há, de fato, incorporação ou estudo de personagens. Segue-se um modelo consagrado, pois importa o pacote todo que representa a ideia do filme.
Veja o trailer no link https://www.youtube.com/watch?v=uNAxHLp7wv8
E, entre idas e vindas, muitas lutas (a maioria entre mulheres), fugas, perseguições, tiros e explosões. Os cenários (Estados Unidos, Cuba, Hungria, Marrocos, Noruega etc) caracterizam a diretriz de atribuir caráter multinacional à produção, ainda que se contraponha mais diretamente EUA e a então União Soviética no jogo de espiões.
A trilha sonora (em princípio assinada por Alexandre Desplat) e consolidada por Lorne Balfe mantém a cartilha de legendar as emoções do público, mas, tem exceções: certas delicadezas, verdadeiras pausas de respiro e momentos bonitos.
Ao final, temos a sensação de que vimos um filme raso, mas que nunca foge à vocação de atender ao paladar comum independentemente de que lugar do planeta se esteja. É como ingerir o fast food de que se gosta. Não é excelência alimentar, mas não compromete. E ainda desperta prazeres porque tudo é bem feito, tudo de qualidade insuspeita – cena de perseguição em Budapeste é um exemplo de apuro e sofisticação.
E, por fim, desperta emoções efêmeras como se cheirássemos a espírito adolescente.
Disponível no serviço de streaming da Disney Plus e no Cinemark do Shopping Iguatemi e no Cinépolis do Shopping Galleria e do Campinas Shopping
João Nunes é jornalista e crítico de cinema