O Sistema Único de Saúde (SUS) foi criado pela Constituição de 1988 e regulamentado pela Lei 8.080 de 1990. Esta Lei dispõe sobre as condições para promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes. Assim, este sistema universal de acesso, o maior do mundo em número de usuários, tem pouco mais de 30 anos, o que na história dos povos e das sociedades é um tempo muito curto. Nesse período em que o SUS foi criado, eu coordenava a Hemorrede do Estado de São Paulo e ajudava a construir o programa nacional de sangue e hemoderivados com a instalação e operacionalização dos Hemocentros estaduais e regionais. Esta é uma das políticas públicas vitoriosas do SUS e que permanece até hoje com importante prestação de serviços à nossa sociedade com assistência à saúde, ensino em todos os níveis, pesquisas e inovação.
Este programa era a minha contribuição para a construção do SUS feito com muita dedicação e compromisso público e com o auxílio de muitos colegas especialistas e apoio do governo do Estado de São Paulo.
Pois bem, muito ligado a este trabalho na área do sangue, em 1993 fui convidado para assumir o cargo de secretário de Estado da Saúde, fato que nunca esperava ter alcançado. Após uma semana ocupando o cargo de secretário, assumi a vice-presidência do CONASS (Conselho Nacional dos Secretários Estaduais de Saúde) onde permaneci até o final de meu mandato. Passei a enxergar a importância deste trabalho inter-federativo e colegiado onde o Ministério da Saúde (MS), secretarias estaduais (SES) e municipais devem fazer juntos para deixar o SUS mais forte, organizado, estruturado e resolutivo.
Nesse período, pudemos instituir, no Estado de São Paulo, o Conselho Estadual de Saúde e a Comissão Inter gestora Bipartite (CIB), elos importantes desta corrente de gestão do sistema. Em 1993, presidi a 1ª reunião destes colegiados. Muitos anos depois, em 2018, agora como presidente do COSEMS-SP (Conselho dos Secretários Municipais de Saúde do Estado de São Paulo) e secretário de Saúde Campinas, pude presidir, juntamente com o secretário estadual de Saúde, a 237ª reunião da Comissão Inter gestora bipartite.
Aí me dei conta de como o tempo passou e como a estratégia colegiada de gestão do SUS foi importante e estava sedimentada como modelo a ser seguido em outras políticas públicas.
O “SUAS” (Sistema Único de Assistência Social), outra política pública fundamental no Brasil, seguiu caminho semelhante e tenta se estabilizar assim como o SUS. Quase todas as demandas do SUS devem transitar em três níveis de discussão e pactução: 1- nível federal, comissão Inter gestora tripartite (CIT) com MS, CONASS e CONASEMS (Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde); 2- nível estadual, comissão Inter gestora bipartite (CIB) com a SES e o COSEMS de cada estado e 3- nível regional, comissão Inter gestora regional (CIR) com os representantes das SES (no caso de Campinas, o Departamento Regional de Saúde 7, o DRS-7) e secretários municipais de Saúde da área de abrangência.
Interessante lembrar que o pacto federativo brasileiro não prevê níveis regionais ou metropolitanos de gestão pública. Muito países têm este quarto nível, particularmente na Europa. O SUS criou esta instância de gestão para dar mais capilaridade ao sistema e respeitar as necessidades muito diversas que possam ocorrer dentro de um país continental e com diferenças regionais imensas.
Durante a evolução do SUS houve uma crescente participação dos Estados e Municípios em substituição ao Ministério da Saúde, tanto em termos de responsabilidades assistenciais como em alocação de recursos orçamentários e financeiros.
É raro se observar municípios cujo empenho orçamentário seja inferior a 25% sendo que esta participação constitucional deve ser de 15% (no caso de Campinas, 17% por determinação da Lei Orgânica do Município).
Para os Estados, este percentual é de 12%. Para o nível federal este percentual mínimo constitucional, infelizmente, nunca foi definido. Comparando ainda o Brasil a países onde há forte componente social no sistema de saúde, os recursos vêm, em grande parte, do Governo Central a partir de impostos recolhidos para este fim. Mesmo países mais liberais como os Estados Unidos da América, recursos públicos de saúde são predominantemente federais (por exemplo, o programa denominado Obama Care, é federal).
Aos municípios cabe, em geral, as ações de assistência primária, governança e zeladoria do sistema. Entretanto, a proximidade do cidadão e suas demandas com os gestores municipais fazem com que a pressão seja crescente. Sabemos que a saúde é nosso maior bem individual. As exigências são grandes e a evolução da saúde agrega sempre e continuadamente, novos custos. A disponibilização de novos remédios, meios diagnósticos e terapêuticos, novas tecnologias, etc. fazem com que os custos da saúde sejam sempre crescentes.
A “inflação da saúde” é, sistematicamente, superior à inflação geral.
Apesar destas dificuldades, a possibilidade de decidir juntos de maneira colegiada e pactuada é um grande avanço dentro da gestão pública do SUS. Governar é definir prioridades. Não há recursos para tudo na área da Saúde e não é apenas no Brasil. Em qualquer país do mundo, por mais rico e avançado que seja, a Saúde estará sempre entre as duas ou três demandas mais frequentes dos cidadãos.
Assim, decidir juntos, governos e sociedade, dentro do estado-da-arte, é o melhor caminho para termos maior nível de acerto em nossas decisões. O modelo de gestão do SUS é um grande exemplo. Faltam recursos? Sim, faltam recursos! Precisamos discutir e definir a vinculação de recursos do governo federal até hoje indefinido. Mas, a gestão destes recursos, deve ser técnica e colegiada. Esta é a fórmula que dá certo e que garante maior eficiência e transparência aos recursos que temos a disposição do SUS.
Carmino Antonio de Souza é professor titular da Unicamp. Foi secretário de saúde do estado de São Paulo na década de 1990 (1993-1994) e da cidade de Campinas entre 2013 e 2020