Em 2017, a psicóloga Michelli Bordinhon recebeu o convite para embarcar em uma expedição com profissionais de saúde de uma organização de saúde que realiza ações humanitárias em países africanos. Apesar de não seguir junto nessa primeira viagem por conta dos filhos pequenos, Michelli acompanhou a trajetória do grupo diariamente por meio de relatos e fotos.
“Uma das fotos chamou muito a minha atenção. Enquanto um grupo de meninos jogava futebol na aldeia, as meninas estavam trabalhando como se fossem adultas. Elas carregavam latas de água e lenha na cabeça ou cuidavam dos irmãos bebês amarrados por um pano em suas costas. Um hábito cultural feminino da região usado para manter as mãos livres para o trabalho”, conta Michelli.
A narrativa e o impacto trazidos por aquela foto não saíam da cabeça da psicóloga, ainda mais porque ela tinha acabado de sair de uma pesquisa da Universidade de São Paulo (USP) sobre a importância e dignidade do ‘brincar’. Desse incômodo nasceu o Projeto Bunekas para levar bonecas de pano para crianças que vivem em extrema vulnerabilidade social resgatando a infância, a autoestima e trabalhando a prevenção do abuso sexual.
O projeto já completou cinco anos e traz muito amor e significado em sua essência. O nome Buneka homenageia o dialeto crioulo. “Como as primeiras bonecas foram entregues em Guiné-Bissau, onde 90% da população fala crioulo decidimos por esse nome”, diz.
Outro detalhe importante é que a boneca representa a beleza africana, valorizando seu tom de pele, seu cabelo. Elas ganham também lindas faixas na cabeça. “Para criar uma memória afetiva nas crianças, todas as bonecas vão com essência de bergamota. Na África essas são frutas mais acessíveis, por isso a escolha desse aroma, então foi uma forma de trazer esse perfume para as bonecas”, conta Michelli.
As bonecas são construídas com expressões neutras para que as crianças digam se elas estão tristes ou felizes, por isso são chamadas de bonecas de projeção.
Todas as bonecas têm um bolsinho no vestido em que vai um bilhete escrito em crioulo; ‘Be sedu bunitu di mas’ que significa ‘você é linda’. Além disso, a boneca utiliza calcinha, porque é uma maneira educacional para abordar o abuso infantil.
Além das bonecas, as meninas recebem um kit com vestido — com a mesma estampa da boneca —, calcinhas e enfeite para o cabelo.
Atualmente existem cerca de 350 voluntários, distribuídos em 35 grupos espalhados pelo Brasil.
Em Campinas, elas se reúnem às quintas-feiras no ateliê Entrelinhas e Amigas, na Toca da Vila- Cambuí. “Vale destacar que o grupo de Campinas confecciona vestidos com doações de camisas que não estão sendo mais usadas”, destaca Michelli.
Elas já completaram entregas em 20 países do continente africano e no Brasil, e o próximo destino para as Bunekas desembarcarem deve ser a Índia.
Quer saber mais detalhes?
Instagram e Facebook: @projetobunekas
E-mail: [email protected]
Kátia Camargo é jornalista e na infância sonhava em ser a Emília do Sítio do Picapau Amarelo. Nunca tinha pensado na potência de uma boneca na vida de uma criança. Neste texto resgatou a música que embalou sua infância.