Era um domingo ensolarado. Acordei às 5h da manhã porque tinha uma corrida de rua para fazer. Daquelas que as pessoas pagam para correr na rua, sabe?! Rs. Pois é, me julguem pois eu sou desses que adora uma corrida de rua desde 2010, quando comecei a praticar este esporte.
Fui, iniciei a corrida e após 47 minutos e 51 segundos eu estava cruzando a linha de chegada depois de correr 10 Km. Depois disso, foram mais 40 minutos tentando me recuperar, falando pouco, respirando mal, com vontade de jogar o meu corpo no chão e lá ficar. Faltava força no corpo todo.
Ao mesmo tempo, me vi tentando manter um orgulho externo perto dos amigos do baita tempo que tinha feito – o melhor da minha vida, diga-se de passagem.
Depois de me perceber recuperado e conseguindo interagir um pouco mais, vi que as pessoas estavam com uma medalha que normalmente você ganha de participação. Um dos meus amigos me disse que eu havia pegado a minha, mas eu não fazia ideia de onde estava. Abri minha mochila e ela estava lá dentro junto com um monte de coisa que eu joguei sem nem processar o que eu estava fazendo.
Para quem corre, sabe que uma das partes mais legais é você chegar, cruzar a linha que determina o fim da prova e receber a sua medalha. Fiquei incrédulo ao perceber que eu nem me lembrava – e nem lembro até agora de ter pegado. Se vocês me perguntarem, o que me disseram, quem me entregou, o que eu falei… eu simplesmente, não sei.
Tenho flashs de estar de corpo, com a necessidade básica de água, de comer algo e de sentar gritando em mim a ponto de nada mais importar. Fiquei longos minutos embaixo de um sol, tentando conseguir forças para ir para uma sombra.
Corri em um ritmo tão alto e levando a meu corpo a um limite tão grande que, eu simplesmente não lembro de uma das partes mais legais que é fazer uma prova dessas. Fui conferir estatísticas e percebi que meu coração chegou a 214 batidas por minuto (bpm). O limite máximo recomendável seria eu não ultrapassar de 192 bpm e, o ideal, seria eu correr bem abaixo disso.
Para contextualizar melhor, em alguns esportes de velocidade, uma das formas de você se desenvolver é aprendendo sobre o seu ritmo de corrida. Basicamente, eles são classificados em zonas de velocidade que vão da mais tranquila (que pode ser inclusive uma recuperação andando) até a zona de tiro (o máximo que você conseguir correr dentro de uma distância).
Sem dúvidas, eu havia desrespeitado e muito os meus limites a um nível que não tinha sido saudável e me levou a estafa. Lembro de conversar com alguns amigos sobre essa percepção e vários me dizerem que, às vezes, isso é bom, enquanto me parabenizavam. Sinceramente, me parecia errado pelo simples fato de, apesar do ótimo resultado, ele não ter sido feito de forma a gerar prazer – algo que normalmente você sente e eu sempre senti pós um desafio cumprido.
Na minha cabeça, se algo apesar de bem feito, me leva a um nível de inconsciência e/ou inconsequência, é preciso refletir. E dentre as muitas reflexões, me ficou a pergunta: o quanto eu tenho respeitado os meus ritmos? E daí o desenrolar por aqui.
De cara, vamos dar um passo para trás. Afinal, o que é ritmo? Se você jogar no Google aí agora, a primeira definição que vai aparecer é do Dicionário de Oxford e diz:
1.sucessão de tempos fortes e fracos que se alternam com intervalos regulares. 2. movimento regular e periódico no curso de qualquer processo; cadência.
Quando fiz essa busca e encontrei a palavra cadência, achei interessante buscar mais a respeito. O dicionário Priberiam define cadência como “Movimento compassado. Ritmo agradável no dizer ou no recitar”.
A coisa do ritmo agradável me pegou e sem dúvidas, a experiência contada não traduzia isso. E, pior, fiquei pensando muito sobre todas essas definições e em alguns momentos da minha vida até aqui.
Nos treinos de corrida, por exemplo, apesar de eu ter um professor que com todo o seu estudo me deixa elencado quanto representa em tempo cada um dos ritmos, eu sempre estou acima – e me orgulhando disso, como se isso fosse o certo a se fazer e algo que me faz ter mais valor.
Tenho percebido o quanto tenho dificuldade de variar as intensidades dos ritmos de viver e achar o mais adequado para cada momento. Que o que faço na corrida é só uma demonstração do que costumo fazer/querer fazer na vida, onde estou sempre acelerando e tentando os ritmos mais fortes e que deem o melhor resultado, o mais rápido possível.
Que eu quero tudo rápido: ser bem-sucedido social e financeiramente rápido, fazer amizades rápido, emagrecer mais rápido, aprender um conteúdo mais rápido, ensinar alguém mais rápido, deixar a minha esposa mais feliz ou tirá-la de uma “bad” mais rápido, ser um bom consultor, educador, administrador, colunista, provedor, filho… tudo mais rápido.
A sensação que hora ou outra me atravessa é como se eu precisasse estar o tempo todo correndo para chegar mais rápido e mais longe. E me lembro que fui aprendendo que isso era valor na infância – quando aprendi a ler primeiro, quando terminava as tarefas da escola rápido e tudo que eu fui fazendo e sabendo era ainda mais potencializado por eu ser “tão novo”. E por aí foi. E por aí vai, muitas vezes, até hoje.
No meio dessas reflexões, estava ouvindo um podcast chamado “Para Dar Nome às Coisas”, da Natália Sousa. Segundo ela, a ideia é que o podcast seja uma mesa de bar na web onde você senta e sente que não estamos só; um lugar onde a gente pode ser do seu próprio tamanho, sem precisar se esticar e nem se espremer e olhar para como está o seu mundo, dentro deste mundo. Só por aí, já dá vontade de fazer parte para mim, pois é um lugar onde ela traz reflexões da sua vulnerabilidade – assim como eu ando fazendo por aqui.
Uma das falas dela, trazia a seguinte – e realmente transcrita – mensagem:
“Dentro de mim tem um cavalo selvagem correndo solto pela arena. Se eu prendo o cavalo, eu prendo junto com ele a minha motivação, a minha energia, a minha intensidade, o meu desejo, a minha vontade de me entregar para as coisas.
Se eu deixo ele cavalgando solto, selvagem, eu não reconheço limite, eu não sei descansar, eu esqueço que amanhã também é dia e eu caio na exaustão.
O meu maior desafio é domar esse cavalo. É fazer com que ele me entregue o melhor desses dois lugares. É fazer com que ele me ajude a ir, mas também que ele me permita também saber a hora de parar.
Eu preciso da força dele, para entregar o melhor, mas eu também preciso da mansidão, para saber que o melhor não pode ser tudo, porque se é, não sobra nada.”
Achei que a analogia caía como uma luva para mim. Notei que a reflexão que eu vinha fazendo após a experiência da corrida era um convite para eu tentar domar mais o “cavalo selvagem” que mora dentro dos meus pensamentos.
Na prática, traduzo-o como um combo da ansiedade e a busca por satisfação pessoal e reconhecimento externo. Vejo-o solto demais quando sou pego pelo sentimento de insatisfação ao invés de autorreconhecimento. Em momentos em que, mais do que ficar feliz por ter subido, eu quero é subir mais – na vida, na carreira, nos resultados etc.!
Percebo que, à medida que ainda me pego colocando a minha satisfação no externo, eu paro de aproveitar e fico focado no reconhecimento que pode vir ou não, seja pelos likes, pelos elogios ou pela oportunidade de fazer parte de algo diferente.
Na corrida, por exemplo, mais do que aproveitar aquela experiência, eu estava encanado no tempo ser mais baixo que da última vez – para mim, mas também para as pessoas que eu encontraria no final da prova.
Depois dos primeiros 5 Km, eu parei de aproveitar e isso é triste se formos parar para pensar. Tinha mais 5 Km e eu estava só tentando me esforçar mais, não ser um fraco, ser melhor e – de novo – não decepcionar pessoas que não estavam esperando nada de mim, rs (conforme contei no último texto). Não estava curtindo sequer aquele dia lindo e ensolarado, as pessoas, as sombras das árvores e nem a música que, apesar de ligada no meu ouvido, nem me chamava a atenção dada a dor que eu estava sentido nas pernas junto com a falta de ar.
E quantas coisas nas nossas vidas deixaram de ser agradáveis depois dos 5 Km e a gente fica conservando por conta das verdades mentais que carregamos, sem nem nos questionar o porquê estamos fazendo aquilo. Ou pior, buscando um reconhecimento do externo – que pode não estar nem aí. E que é justo, afinal, se nós não estamos nem aí para nós, por que é alguém deveria estar?
E aí eu volto a pensar na importância de estarmos conscientes para não escorregarmos nas “casquinhas de bananas” que se apresentam diariamente. Essa do reconhecimento, é uma das minhas e preciso estar sempre atento para não me deixar capotar ladeira abaixo neste tipo de comportamento. Afinal, ele as vezes é até perigoso, como quase chegar ao seu limite cardíaco.
Me faltou consciência para desacelerar e seguir aproveitando. Me faltou (e falta hora ou outra) consciência para reconhecer anteriormente os meus progressos obtidos e de relembrar que não tem a ver, necessariamente, com intensidade mas sim com constância. É sobre se manter em movimento. É sobre entender que, toda vez que não estiver valorizando o andar, sempre acharei que tenho que correr mais e mais rápido. E isso é nas corridas, na natação, no trabalho, na vida em geral.
Que possamos lidar com os nossos ritmos como na dança, sabendo que a vida e os desafios que encontraremos nela precisam ser curtidos como uma playlists que toca no modo aleatório. Tem hora que vai ser preciso acelerar, mas é importante saber que desacelerar é preciso.
Que eu – e você, se for o caso, aprendamos a dançar como na avenida de samba, que tem euforia, que tem sincronia, que tem paradinha, que tem quebradeira, mas, acima de tudo tenha alegria. Afinal, como diria Arlindo Cruz citando o compositor Luiz Carlos da Vila, “não importa o que aconteça, a nossa vida sempre será um show. E todo show tem que continuar“.
E você, o quanto tem respeitado o seu ritmo?
Jonas Santos, de 28 anos, mora em Campinas desde os 7 anos e acredita que por meio da educação pode melhorar o mundo dele e dos outros