O anúncio de que o Tonico’s Boteco, no Centro de Campinas, vai fechar as portas em definitivo a partir do próximo dia 7 pegou muita gente de surpresa e vai deixar os amantes da boa música brasileira órfãos na cidade. Durante 20 anos, o bar localizado na Rua Barão de Jaguara foi o reduto de cantores e compositores renomados de Campinas e região, além de artistas consagrados no cenário nacional, principalmente do samba de raiz.
A saída de cena desse icônico reduto da boemia, que completou 20 anos nesta sexta-feira, representa também mais um degrau abaixo na derrocada que o Centro vem enfrentando nos últimos anos por conta da violência, abandono, crise econômica e degradação. Em março do ano passado, na mesma Rua Barão Jaguara, esquina com a Tomas Alves, a padaria Orly cerrou as portas após 55 anos de funcionamento. Os clientes também foram pegos de surpresa.
O Tonico’s foi inaugurado em 3 de setembro de 2001 e recebeu esse nome justamente por ficar praticamente em frente ao monumento túmulo do ilustre maestro Carlos Gomes, que carregava esse apelido. A logomarca, inclusive, leva uma imagem inspirada em Carlos Gomes.
No entanto, a história começou antes. De acordo com o proprietário, o empresário Paulo Henrique de Oliveira, em 1995, no mesmo local, junto de alguns sócios, inaugurou a Cervejaria Continental, que durou alguns anos. Oliveira ficou apenas com um sócio, depois mudou de segmento e abriu o Tonico’s.
O espaço, desde sua inauguração, se tornou referência da música brasileira de qualidade no Município. Foi casa de shows de MPB, Rock e Samba. Pelo seu palco e corredores passaram nomes reconhecidos no cenário regional e nacional como Diogo Nogueira, Noca da Portela, Leandro Fregonesi, Walter Alfaiate, Nei Lopes, Nelson Sargento, Monarco, Dona Inah, Noite Ilustrada e tantos outros que é até difícil para o proprietário rememorar de bate e pronto.
“O bar deixa um legado para a cultura. Quem curtiu, curtiu. A região é um lugar difícil, caro. Muita gente não vai mais. Está degradante, muito pedinte. O cara prefere ir ao Cambuí que no Centro. O Centro é caro, estacionamento caro, mas não oferta nada, por isso a degradação atual, nem os impostos nunca foram alterados (reduzidos)”, diz Oliveira.
Segundo ele, a casa já vinha perdendo muitos clientes mesmo antes da pandemia do novo coronavírus. “Quando veio a pandemia piorou tudo. Pegou em cheio na gente que tinha música ao vivo e buffet self-service. Sem delivery, fechado e com 20 funcionários. Entre aluguel e IPTU eram R$ 12,5 mil mensal. Tinha uma reservona que foi usando, mas chegou num ponto que não dá mais. Estou bem cansado”, admite.
Ele lembra dos tempos áureos, dos artistas, sambistas das escolas de samba do Rio de Janeiro e São Paulo que já passaram pelo estabelecimento e diz que atualmente o samba de raiz não é valorizado. Os vários projetos implementados deixaram boas lembranças, mas o fim parece ter notas de melancolia ao ouvir o proprietário.
“De verdade, com o fechamento eu sinto um baita alívio. Ter negócio no Brasil é a pior coisa do mundo. A gente sempre é espetado. Todo mundo quer colocar um catéter no pescoço para sugar. Ninguém por parte do governo ajuda. No início dos shows eu ia atrás de patrocínio com hotel, com passagem, mas é tão difícil que eu mesmo com a minha renda pessoal e o Tonico’s bancávamos tudo”, afirma.
Cultura no Brasil é para heróis”, relata o empresário Paulo Henrique de Oliveira
Despedida
O Tonico’s ainda cumpre agenda despedida. Sexta-feira (3) teve apresentação do Grupo Os Escuros; neste sábado (4) tem show do Grupo Velha Arte do Samba, Nelson Fidelis e Ilcéi Mirian, com Homenagem para Aureluce Santos que morreu em dezembro do ano passado. Na segunda-feira (6), o encerramento é com o Grupo Contagio & Soweto.
A partir do dia 7, o espaço fecha para reformas e deve abrir em outubro com um novo dono e outra proposta de música e perfil. “Eu conheci o novo dono, é um moço jovem, que comprou o Camp Chopp e vários outros negócios. Está precisando renovar mesmo. As pessoas dizem que sentem o fechamento, mas não adianta sentir e não frequentar. Quem frequenta hoje é uma moçada e tem que ter sertanejo. Eu não gosto”, finaliza.
Frequentador
Um dos mais antigos frequentadores do Tonico’s, o jornalista Edmilson Siqueira lamenta o fechamento da casa. “Eu fui um grande frequentador, mas antes da pandemia já tinha parado de ir lá. A música estava muito alta, não dava para conversar. Eu gosto muito de conversar. Mas isso não invalida a qualidade das músicas que o Paulo (Oliveira) levou. Ele tem bom gosto e atraía grupos de samba da cidade que estavam capengas, por falta de local para tocar”, lembra.
Siqueira conta que muitos bares tinham problemas com vizinhos por causa do barulho e falta de tratamento acústico para não vazar o som, mas que o Tonico’s não tinha esse problema, inclusive por não ter muitos vizinhos. “O bar trouxe muitos artistas de São Paulo, do Rio de Janeiro, escolas de samba, compositores que são famosos, mas que não eram hits. O bar carregava uma tradição dos botecos do Rio de Janeiro. Atraiu uma parcela que gostava de música e de samba “, afirma com o olhar de quem acompanhou de perto e escreveu muito sobre o local.
“O bar deu muito emprego para muito músico de Campinas que conseguia ali o seu cachê fixo por semana. Isso foi um grande mérito”, rememora Edmilson Siqueira
“É lamentável que ele também não tenha conseguido sobreviver a pandemia. Campinas também precisa rever o Centro, que acabou perdendo espaço. Os shoppings surgiram porque os centros começaram a se deteriorar com violência, degradação, falta de conservação, trânsito complicado. Tentaram mexer na Avenida Glicério, mas o Centro foi sendo relegado, o resultado é esse. O comércio que fazia o Centro uma boa opção acabou fugindo, ou para o Cambuí ou shoppings. A Casa Campos por exemplo, que era tradicional no Centro, fez fortuna ali, hoje está no shopping”, avalia.
Ele se lembra que depois da abertura do Tonico’s, vários outros bares abriram na região porque perceberam que tinha público. “O Tonico’s era um oásis no Centro. A partir dele surgiram outros. No verão a praça ficava lotada. Mas hoje sair da praça e ir até a General Osório a pé eu não tenho mais coragem. Andar no centro a noite se tornou impossível, e o Tonicos’s sofreu com isso. Ou paga estacionamento caro ou corre o risco de ser roubado. O Tonico’s era um grande bar, merece todos os elogios, música boa durante muito tempo. Infelizmente, se acaba e deve deixar muita gente na mão. Lamento profundamente” concluiu Siqueira.