Campinas tem alguns grupos em redes sociais dedicados a contar a história da cidade por meio de fotos antigas e textos explicativos. As postagens mexem com a nostalgia dos participantes que viram a transformação ao longo do século 20 e também apresentam às novas gerações, que não viveram aquele tempo, como era o Município, sua arquitetura, ruas, lojas e costumes.
Muitos não sabem que existia a Igreja do Rosário em frente ao Palácio da Justiça, e que foi demolida para o alargamento da Avenida Francisco Glicério, por exemplo. A existência de dois teatros na Rua 13 de Maio, que posteriormente foram demolidos, também é ignorada por alguns. Esses grupos são importantes justamente para a preservação da memória histórica.
O perfil Memória Campineira no Instagram, que caminha para alcançar os 14 mil seguidores, apresenta uma Campinas muito diferente dos dias atuais, ainda com bondes circulando, prédios de arquitetura histórica e o Centro como local de convívio. Com isso alimenta o saudosismo de uns e apresenta a história para outros.
Quem está por trás do perfil é o estudante de história Ramon Matias, de 27 anos, nascido e criado em Campinas, na região dos Dics. Há três anos ele se mudou para Sorocaba por causa do trabalho. “Eu estudava engenharia de produção, mas fazia meio obrigado, pensando na questão financeira no futuro, mas não gostei e nunca me dei bem com exatas. Conversei com a minha noiva e fui fazer o que gosto. Por sorte aqui em Sorocaba tem uma universidade privada que tem o curso de História, e eu me encontrei”, conta.
“História é uma paixão que passou dos meus pais para filho. Em casa desde sempre só assistimos a documentários, filmes sobre o Antigo Egito, Grécia, Império Romano e outros filmes históricos”, Ramon Matias, criador do Memória Campineira.
Ele conta que a paixão pela história de Campinas começou desde muito cedo. “Foi lá na 4ª série. Estudava na Escola Mario Junqueira da Silva e fiz um passeio com a escola para conhecer o Centro da cidade. O guia pediu para reparar que em cima das antigas casas da Rua 13 de Maio tinham as datas em que foram construídas, 1918, 1920 e aquilo me fascinou. Até hoje ando nos lugares olhando para cima. Também fomos ao antigo museu, ao Palácio dos Azulejos e na Catedral. Com aquilo me apaixonei por história”, diz.
Nascimento
A página dedicada à história da cidade nasceu por acaso, enquanto Ramon mexia no celular em um intervalo do trabalho em novembro de 2019. “Eu estava vendo o perfil de uma página chamada O Rio de Janeiro Que Não Vivi. Tinha uma foto do Centro de antes e depois, muitas fotos e vídeos. Lembrei que no face já tinha uma página em Campinas destinada à história, mas no Instagram estava parada. Me inspirei muito nessa do Rio de Janeiro e criei o Memória. Já estava cursando História, amo a história da cidade, aí pensei, por quê não?”, relembra.
Segundo Ramon, ele não imaginava que o perfil fosse crescer tanto e tão rápido. “O principal objetivo é compartilhar a história da nossa cidade para atingir cada vez mais pessoas. Coisas que não são ensinadas na escola, livros que ninguém indica, que não sabem onde encontrar. Nem imaginava que ia crescer tanto assim. Quando vi 8 mil, 10 mil pessoas seguindo, assustei. A responsabilidade vai aumentando”, afirma.
“Tem muita gente migrando do Facebook para o Instagram, principalmente, os mais velhos, e isso também tem ajudado no crescimento”, Ramon Matias, criador do Memória Campineira.
O conteúdo das publicações desde o princípio agradou pessoas de todas as idades, o que facilitou a chegada de seguidores. “Desde o começo vi que o pessoal sentia falta daquilo no Instagram. Muita gente curtindo, comentando, compartilhando. Por exemplo, eu posto sobre a loja Muricy, vem muita gente com saudade, lembrando tudo o que tinha lá dentro. Coisas da época que eram jovens ou crianças. O tem o pessoal que não era nascido, que não conhecia e fica sabendo. Acho que isso fez o Memória crescer, combinando fatos históricos de 1900 para trás, coisas de 1970, por exemplo, essa foi a receita do sucesso”, avalia.
As publicações não seguem uma ordem cronológica, nem um roteiro. “Eu tento fazer um post ao menos uma vez por dia. Posto ou indo para o trabalho, na hora do almoço ou quando chego do trabalho. Não tem um tema específico ou cronograma. Vejo algum texto na imprensa, no site Museu Musical, no perfil Campinas Antiga e pesquiso. As fotos eu encontro no Centro de Memória da Unicamp, em blogs, vou pesquisando”, conta o dono do perfil.
Ramon acredita que se a história fosse melhor abordada nas escolas, se os passeios guiados existissem, talvez o cenário atual fosse diferente. “A gente dá valor quando aprende sobre o lugar onde vive, quem morou ali. Toda história tem seu valor, se não for ensinado na escola faz falta. Acho que o excesso de depreciação do Centro e dos lugares históricos é reflexo disso. O jovem cresce sem amor pelo local onde vive, não sabe o passado que tem ali. A história de Campinas e região tinha de ser abordada desde o Ensino Fundamental”, avalia.
Ainda segundo ele, muita coisa só aprendeu com as pesquisas para o perfil na rede social. “Descobri, aprendi, pesquisando para o Memória. Principalmente, a parte da escravização, que quase ninguém fala. E das mulheres? Não tem monumento das mulheres, tem um na base do monumento do Carlos Gomes, a Mãe Preta, e no Largo das Andorinhas, uma representação da Princesa D’Oeste que marca o bicentenário. Poxa, não teve mulher importante em Campinas? E não é ensinado na escola. O reflexo que a gente tem hoje é isso, é triste”, constata.
Ramon deve terminar a graduação no final deste ano e voltar para Campinas, mas não pretende dar aulas. “Gostaria de fazer uma especialização em arqueologia, que é uma área que gosto bastante, mas no Brasil é complicado. Então, não sei a área de especialização ainda, mas vou focar mais na história de Campinas, que é o que está dando resultado, pode ser que eu vá mais fundo nessa parte. Quero ser pesquisador, adoraria trabalhar no Centro de Memória da Unicamp”, diz.
No futuro, coisas novas devem surgir envolvendo o perfil. “Quando voltar para Campinas vou fazer um canal no Youtube, já recebi até proposta, mas estando em Sorocaba mão consigo dar esse foco. Estou com uma ideia de fazer uma exposição com as fotos e os textos das publicações em shoppings, no Centro, e na periferia para que mesmo as pessoas que não tenham internet possam ver”, explica.
Recentemente, Ramon lançou um adesivo do Memória Campineira para fazer um teste. “Esgotou em menos de 24 horas. Pretendo fazer canecas, camisetas com imagens dos pontos históricos e acessórios. Já recebi propostas para palestras em escolas, mas o que me atrapalha é a vergonha, sou tímido” conclui.
O Facebook também conta com alguns grupos que mantêm a história de Campinas viva. O mais proeminente deles é o CAMPINAS ANTIGA, assim mesmo grafado com letras maiúsculas. Nasceu em maio de 2012, pelas mãos da eletricitária aposentada Marina Silva Barbosa, de 63 anos, mais conhecida como Marina Morena, e acumula 61 mil seguidores.
Nascida em Campinas, Marina diz que sempre gostou de construções antigas, fotos com aspectos amarelados e tudo com aspecto histórico. “Um dia entrei no Facebook para procurar fotos antigas de Campinas. Consegui várias e fui salvando, até que resolvi postar na minha página particular, mas apareceu a opção de criar grupo. Eu criei e fui convidando meus amigos. As pessoas foram gostando e indicando para outros amigos. Quando vi já estava com 10 mil seguidores. Nunca imaginei isso e nem foi a intenção”, diz.
“O grupo me surpreende. Além do Brasil, tem gente de outros 81 países que acompanha, pessoas que moram fora. Tem até da Uganda”, Marina Morena, criadora do CAMPINAS ANTIGA.
De acordo com ela, entre os 61 mil seguidores, 46.918 são de Campinas. “Eu consigo acompanhar tudo, inclusive por faixa etária. De 55 a 64 anos tem 9.207 mulheres e 6.736 homens. De 45 a 54 anos são 7.169 mulheres 6.559 homens. De 35 a 44 anos são 5.058 mulheres e 5.631 homens. De 25 a 34 anos são 2.542 mulheres e 3.218 homens. De 18 a 24 anos são 744 mulheres 761 homens”, revela.
Administrar esse tanto de seguidor dá trabalho, diz ela. Antes, as postagens eram abertas. Bastava um seguidor publicar que já aparecia na linha do tempo. “Mas vinham muitas milhões de denúncias de que a publicação não tinha a ver com o grupo, aí muita gente ameaçava sair. Resolvemos primeiro ver a postagem e depois autorizar. Vejo o que está pendente e vou liberando”, diz.
De acordo com ela, ainda assim sempre tem denúncias por conta dos comentários em publicações. “Tem muitas denúncias, principalmente, quando é algo do Guarani e Ponte Preta. Os membros ajudam denunciando e a gente vai excluindo os comentários e bloqueando quem se comporta mal”, explica.
“O grupo é uma escola. Vale a pena conhecer. A gente conhece mais a nossa cidade e épocas que a gente não viveu”, finaliza.
Memória esportiva
O esporte campineiro também tem um grupo para chamar de seu: o Amigos do Museu do Esporte de Campinas. O grupo do Facebook foi criado e é administrado por Fernando Pereira da Silva, de 66 anos, e acumula 2.200 seguidores.
De acordo com ele, o grupo nasceu logo após a inauguração do Museu do Esporte, no Balneário Marlene Porto, no Taquaral. “Por décadas fui um pesquisador do futebol, fui membro do saudoso Panathlon Clube de Campinas nos anos 90, clube que reunia os maiores desportistas da cidade, e também participei por muitos anos de Jogos Regionais/Abertos do Interior e Jogos da Juventude, no comando das equipes de futebol e futsal feminino que representavam Campinas, quando conheci todo o pessoal da Secretaria de Esportes”, diz.
“Quem não respeita as postagens ou as diferenças de opinião nos comentários pode ser advertido ou até excluído. É um espaço para se desenvolver a sociabilidade, uma extensão do próprio esporte”, Fernando Pereira da Silva, criador do grupo Amigos do Museu do Esporte de Campinas
No final de 2017, já aposentado, foi convidado pela então diretora de Esportes Vanda Almeida e participou da montagem do Museu do Esporte no Taquaral, como um colaborador voluntário. “Logo percebemos que faltava divulgação daquele espaço na internet e surgiu a ideia de criar um grupo no facebook, que unisse desportistas e pesquisadores, e também ajudasse na divulgação das atividades do Museu ao público em geral”, explica.
Fernando diz que Campinas tem uma história riquíssima dentro do esporte paulista e brasileiro, e o esforço dos pioneiros e pioneiras que superaram inúmeras barreiras, até mesmo de preconceitos, precisa ser reconhecido, divulgado e servir de incentivo aos mais jovens. “Só como um rápido exemplo, temos a história do lixeiro que virou corredor e foi o primeiro atleta de Campinas a ir a uma Olimpíada (Helsinque/1952): Argemiro Roque. Depois, como técnico, revelou atletas muito importantes para o esporte brasileiro, inclusive uma certa menina que trabalhava na roça e até hoje é uma referência quando se fala em atletismo feminino olímpico: Conceição Geremias (que esteve nos Jogos Olímpicos de 1980, 84 e 88). Se eles superaram limites e se consagraram, por que outros não podem fazer o mesmo?”, questiona.
Mais recentemente, segundo ele, ainda como exemplo, tem o paratleta campeão Daniel Dias e o ginasta Arthur Nory, ambos campineiros. “Muita gente que vai ao Museu se surpreende quando descobre que ambos nasceram em Campinas”, diz.
Ele afirma que os seguidores, em maioria, são mais velhos. “São os que viram ou conviveram com atletas históricos e gostam de rever histórias e imagens daquilo que viveram. Há muitos ex-atletas”, revela.
Ele ainda detalha que as imagens que estão no museu não são reproduzidas no grupo. “No grupo normalmente não se reproduz as imagens que estão expostas no Museu (onde há mais de 200), mas sim imagens paralelas, matérias de antigos jornais e histórias. Procura-se abrir espaços para todos os esportes, mas sempre seguindo um critério de importância histórica dentro da modalidade, como também acontece no Museu. Para atletas de futebol, por exemplo, a ordem é de participação em seleções que foram a Copas do Mundo, Olimpíadas, Copa América (antigo Sul-Americano) e Pan-americanos”, explica.
Após se tornar um curador informal, Fernando ajudou na montagem do museu por dois anos. “Foi um período de várias exposições temáticas sobre clubes, atletas e modalidades, e até de trabalho conjunto com o Museu da Imagem e Som, em algumas filmagens, e com a Secretaria de Cultura numa exposição sobre Campinas nas Copas do Mundo. Infelizmente as contas a pagar só aumentam para todos nós e tive que buscar outras atividades, deixando de lado essa minha ação voluntária. Nos últimos dois anos, minha colaboração está restrita ao grupo de Amigos do Museu do Esporte de Campinas, tentando manter vivo esse canal de divulgação, com a ajuda de alguns amigos”, reforça.
No grupo todos os membros podem encaminhar postagens, mas elas precisam ser aprovadas por um administrador. “Infelizmente há pessoas que ainda não entenderam que o grupo não está aberto a publicidades, manifestações políticas e provocações. O que não se refere à divulgação da história do esporte campineiro, antiga ou atual, ou ao funcionamento do Museu do Esporte é barrado”, conclui.