Três juízes de Campinas (1ª, 2ª e 3 ª Vara Cível) pediram transferência da cidade para o Foro de Santo Amaro em São Paulo, em protesto contra as condições de trabalho. Os três foram para São Paulo desde o dia 16 de novembro. Campinas tem dez Varas Cíveis. Antes, cada uma tinha um juiz titular e um auxiliar. Em média, cada uma tem cerca de 7 mil a 10 mil processos divididos por dupla. Mas o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ) retirou os juízes auxiliares, dobrando a carga de trabalho dos juízes titulares, que apontam ser impossível dar conta da demanda, além de ocasionar queda na qualidade e morosidade do trabalho. As Varas Cíveis atendem causas relacionadas à família, consumidor, compra e venda, danos morais, contratos, cobranças e muitas outras.
O movimento dos magistrados pode ser considerado histórico dentro do contexto do Judiciário de Campinas. Nos últimos anos, diversas foram as iniciativas para melhorar e qualificar a estrutura de atendimento. Essas mobilizações tiveram amplo destaque e forçaram as autoridades do governo de São Paulo e do Tribunal de Justiça (TJ) a olhar para Campinas de forma mais específica, dando a ela importância compatível com o tamanho da Comarca.
O juiz Fábio Henrique Prado de Toledo, que completaria 21 anos à frente da 2ª Vara Cível de Campinas, em dezembro, acompanhou a transformação da Justiça em Campinas. “Eu cheguei aqui em dezembro de 2002. Em 2005, nós mudamos para a Cidade Judiciária, que foi um grande avanço para a Justiça de Campinas, que permitiu ter mais varas, com mais acesso das pessoas à Justiça. Instalou Varas de Família, instaurou Varas da Fazenda Pública, instaurou Varas do Juizado Especial Civil, mais Varas Criminais, foi um avanço enorme”, diz.
Foram criadas mais Varas Cíveis, mas o trabalho continuou intenso e crescendo. “Não só criaram outras varas, mas paulatinamente, eles foram mandando juízes auxiliares. A melhor situação que chegaram as Varas Cíveis aqui de Campinas foi quando a gente conseguiu um juiz titular e um auxiliar”, diz.
O magistrado explica que a Vara ter um juiz titular e um auxiliar não pode ser considerado privilégio, já que cada um fica com cerca de 3.500 processos. “Ainda está longe de ser uma situação tranquila, 3.500 para um juiz ainda assusta, mas é um número que dá para administrar, com a informatização a gente consegue dar uma agilidade nisso, de modo a prestar um serviço público de qualidade, apesar de ter que trabalhar muito”, explica.
Os juízes auxiliares são uma espécie de “coringa”, eles não têm uma Vara específica. O Tribunal pode designá-los para cobrir férias, por exemplo. Tem juízes que estão designados para auxiliar algum ministro do Supremo, logo o auxiliar pode assumir a Vara, ou seja, os lugares vagos. Mas podem também auxiliar e foi essa solução que se encontrou para Campinas.
“Tinha um juiz auxiliar e o fixo em cada uma das 10 varas, logo, essas 10 Varas Cíveis tinham 20 juízes, o que permitia uma distribuição mais equitativa do serviço. Essa vinda dos auxiliares foi paulatina. Inicialmente, ficava um a cada quatro varas, até que chegou numa situação ideal de um juiz por vara”, explica.
Mas a situação foi piorando e os juízes auxiliares foram retirados. “Parece, pelo menos o que nos chegou, é que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) não quer auxiliares fixos em Varas. Juízes auxiliares, a razão de ser desse cargo, é para que ele seja para cobrir férias, para cobrir saídas temporárias”.
“Esses juízes auxiliares já foram retirados. Tínhamos 10, ou seja, um para cada Vara. Isso diminuiu para oito, diminuiu para seis, por fim, estávamos só com quatro juízes auxiliando as 10 Varas Cíveis. Agora com a nossa saída, cada um desses quatro vai ter que assumir uma Vara e um deles também foi assumir uma Vara do Juizado. Ou seja, os juízes das Varas Cíveis estão sós aqui”, afirma.
Produção
O que motivou o pedido de transferência dos três juízes titulares foi justamente a remoção de todos os juízes auxiliares das Varas Cíveis de Campinas.
“Na prática, nós vamos dobrar o trabalho em Campinas. De 3.500 processos, volta cada juiz cível ter que tocar 7.000 processos. Isso é humanamente impossível de prestar um serviço de qualidade nesse cenário. Quem perde é a população porque para o juiz o dia continua com 24 horas, tem que dormir, tem que se alimentar. O problema é a qualidade que vai caindo, é o tempo, é a morosidade que vai se instalando, tudo isso que motivou a nossa saída”, aponta.
Fábio Toledo diz que tem varas com 12 mil processos em andamento para um único juiz. “Na minha Vara sempre eram proferidas em torno de 100 a 120 sentenças por mês para cada juiz, mais de 1.500 decisões interlocutórias, que são aquelas dadas no curso do processo, por exemplo, uma medida liminar, o deferimento de uma audiência, deferimento de uma perícia. Quando tira um juiz tem que dobrar essa produtividade, o que não é possível.
“Eu quero deixar ressalvado que não é uma crítica à atual gestão, muito menos ao atual presidente do Tribunal de Justiça, que teve uma atitude louvável de administrar no meio de uma pandemia, com uma grave crise fiscal, queda na arrecadação do Estado, e conseguiu, com todo mundo trabalhando on-line, fazer o Judiciário aumentar a produtividade e agilizar os processos em andamento”.
Pandemia
As Varas Cíveis tiveram aumento da demanda durante a pandemia, segundo o juiz, principalmente com relação às coberturas de planos de saúde, contratos bancários, de locação, entre outros.
“Para nós isso aumentou o trabalho porque nós somos chamados incisivamente a rever as relações contratuais de modo a restabelecer, de uma forma justa, e nesse cenário nós perdemos metade da nossa força de trabalho. Isso impacta enormemente, e se não for feito algo com muita urgência, nós veremos em pouco tempo, num futuro muito breve, o caos instalado na nossa cidade, porque é humanamente impossível dar vazão a esses a esses processos”.
Para efeito de comparação, o Foro de Santo Amaro, para onde os juízes de Campinas se transferiram, na Vara onde Fábio Toledo passou a atuar, estão em andamento cerca de 6 mil processos, mas lá cada Vara tem dois juízes titulares.
“O que a gente sempre lutou, que a gente sempre aspirou para Campinas era, no mínimo, esse tratamento igualitário que temos com a Comarca da Capital, que infelizmente não está acontecendo, que motivou a nossa saída. Veja que não sou só eu, não saí sozinho, saiu eu, o juiz da 2ª Vara Cível de Campinas, Renato Siqueira de Pretto, juiz da 1ª Vara cível de Campinas, e Ricardo Hoffmann, juiz da 3ª Vara cível de Campinas, todos indo para Santo Amaro, que é um Foro Regional pesado em São Paulo, mas ainda assim, nos proporciona muito melhores condições de trabalho nesse cenário”, afirma.
O juiz explica que a solução para o problema é relativamente simples. Bastaria criar 10 cargos de juízes titulares, exatamente como aconteceu em Santo Amaro, onde existem dois titulares para cada Vara.
“O impacto orçamentário disso é pequeno. Podemos criar, por exemplo, 10 cargos novos de juízes titulares, designa esses juízes para ficarem em cada uma dessas 10 varas cíveis, mantém aquela mesma situação de 3.500 a 5.000 processos para cada juiz. Isso não precisa nem de lei porque os cargos já foram criados, basta um ato do Tribunal de Justiça, que remaneja esses cargos criados para Campinas, que é o que tem sido feito sistematicamente para São Paulo, para algumas Varas que têm números menores do que os nossos e isso não está sendo feito para Campinas”, aponta.
Ele lembra que Santos, por exemplo tem a metade da população de Campinas e conta com 12 Varas. Ribeirão Preto também menor que Campinas tem 11 Varas.
“Nossa saída é um protesto, um alerta. Essa nossa atitude é um pedido quase que desesperado, que chame atenção. Para que tenham respeito com Campinas, façam justiça com a Justiça de Campinas. Dê pelo menos o mesmo tratamento que Varas com as mesmas características”, apela.
“É um apelo que fazemos para a próxima administração do Tribunal de Justiça. Repito que isso não é uma crítica direta à administração, que merece todos os elogios por ter enfrentado com muita competência dois anos de pandemia sem nenhuma interrupção no serviço, porém na situação peculiar de Campinas, eu terminaria com a seguinte frase: nós queremos justiça para a Justiça de Campinas”, diz.
O Hora Campinas procurou o Tribunal de Justiça, mas não recebeu resposta até essa publicação.