A metrópole vocacionada ao desenvolvimento acolhe uma proposta de ensino igualmente direcionada à inovação. Campinas foi escolhida para abrigar a Ilum, primeira faculdade do País de imersão na ciência e pesquisa. O ano de 2022 recebeu a turma inaugural do curso superior de Ciência e Tecnologia, lançado em 2021 pelo Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), organização vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI).
A faculdade é símbolo da inovação, da pesquisa e da ciência que habitam Campinas. O curso, gratuito, oferece imersão nos ambientes científicos do CNPEM, a maior infraestrutura de pesquisa do País, onde está instalado o acelerador de partículas Sirius, única fonte de luz síncrotron de quarta geração das Américas e Hemisfério Sul. A proposta e formar cientistas e pesquisadores conectados com a realidade da pesquisa científica.
Adalberto Fazzio, físico, diretor da Ilum e um dos idealizadores da faculdade, é natural de Sorocaba e um entusiasta das possiblidades oferecidas por Campinas, sobretudo no campo da educação. Fazzio reforça que a Ilum é uma faculdade de Campinas, mas não para Campinas. Está aberta a estudantes de todo o país interessados em melhorar o mundo por meio da ciência.
Confira, a seguir, o que Adalberto Fazzio tem a dizer sobre Campinas, educação, ciência e pesquisa
O que é Campinas para o senhor?
Abalberto Fazzio: Cheguei em Campinas recentemente, em março de 2017, depois de muitos anos em Brasília e em São Paulo. Sou um interiorano de Sorocaba, onde vivi até os 19 anos. No tempo em que estava na USP, sempre tive muita interação com pesquisadores da Unicamp, portanto, quando cheguei, já conhecia esta cidade.
Falar de Campinas é falar de um dos centros mais desenvolvidos do Brasil, com indústrias, universidades e um setor de serviços de grande destaque.
E não poderia deixar de lembrar que esta cidade teve um dos melhores times de futebol que já vi: o time do Guarani quando foi campeão brasileiro. Quem não sabe quem foi Zenon, Careca, Renato e tantos outros? Enfim, é uma metrópole vocacionada para o desenvolvimento.
Como o senhor posiciona Campinas dentro do cenário da educação e pesquisa no Brasil?
A cidade de Campinas é privilegiada por abrigar uma das mais importantes universidades do país, a Unicamp, e a maior infraestrutura de pesquisa do país, o CNPEM, além de outras boas instituições de ensino superior. Na educação, vejo como destaque os inúmeros colégios de Ensino Médio de tempo integral, dando um grande diferencial na formação de nossos jovens. No ensino superior, Unicamp, PUC, Facamp etc. mostram a pujança da região. Como físico, não poderia deixar de destacar aqui que o maior físico brasileiro foi pesquisador na Unicamp, o professor César Lattes, o descobridor do méson-pi.
O primeiro acelerador de elétrons do Hemisfério Sul, o UVX, foi construído em Campinas, no final dos anos 1980, dando origem ao CNPEM, hoje uma das maiores e principais infraestruturas de pesquisa do país, com quatro Laboratórios Nacionais onde são realizados estudos estratégicos e multidisciplinares nas áreas de saúde, agricultura, meio ambiente, energia e novos materiais, entre várias outras, e que é aberta a pesquisadores de todo o Brasil.
O CNPEM recebe mais de mil pesquisadores para realizarem suas pesquisas nas diferentes áreas do conhecimento. Com o novo acelerador de elétrons, o Sirius, a cidade receberá ainda mais pesquisadores.
E a boa notícia, o CNPEM expandiu suas atividades na área de educação com um olhar na formação de novos cientistas. Um curso superior, no nível de bacharelado, a Ilum Escola de Ciência, que começou suas atividades neste ano. É uma iniciativa importante, que vem se somar a outras, para a formação de recursos humanos na área.
Que pontos positivos e negativos o senhor destaca de Campinas no campo do ensino e pesquisa?
Reforço que as pesquisas em todos os campos do conhecimento realizadas na região têm um impacto final que é a inovação tecnológica e, por isso, temos muitas pequenas e médias empresas inovadoras. Sabemos que não temos desenvolvimento sem uma ciência básica e aplicada. O resultado de um país que detém o conhecimento científico é um país rico, sem pobreza, população com saúde e educação.
Acredito que Campinas pode ampliar e estreitar, ainda mais, as parcerias com empresas. Do ponto de vista cultural, a cidade merece um leque maior de opções, com museus de artes plásticas, museus de ciência e eventos culturais.
Por que Campinas foi escolhida para receber a proposta inovadora e inédita no Brasil da Ilum?
A Ilum nasceu de uma ideia do professor Rogério Cézar de Cerqueira Leite, físico e presidente do Conselho do CNPEM. A Ilum, inclusive, ocupa o galpão no Parque Santa Cândida onde foi desenvolvido o projeto do UVX e onde começou o CNPEM. Os alunos da Ilum, desde o primeiro semestre, fazem imersões no CNPEM, assistem a palestras, conhecem os seus laboratórios e equipamentos, têm contato com centenas de pesquisadores. Essa presença no campus se torna mais frequente ao longo do curso e já no segundo semestre farão experimentos, projetos nos quatro laboratórios que o CNPEM abriga. Então, é natural a escolha pela cidade.
Somos uma faculdade de Campinas, mas não queremos ser uma faculdade apenas para Campinas.
A proposta, desde as primeiras discussões sobre a criação da Ilum, é receber estudantes de todo o país e oferecermos todas as condições para que jovens talentosos, que se interessam por entender e melhorar o mundo pela ciência, venham para a cidade e para a escola.
Aqui, eles têm moradia, alimentação e transporte gratuitos, ajudamos os alunos de regiões mais distantes a se deslocarem para a cidade, dependendo de sua condição socioeconômica; eles recebem um notebook para usar durante o período do curso. São benefícios que garantem essa oportunidade para todos.
Estar em Campinas, por outro lado, pode abrir muitas portas no campo profissional para esses alunos quando formados.
Quais os desafios de formar cientistas e pesquisadores neste momento particular da Educação no Brasil?
O que acontece hoje no Brasil é que os cientistas demoram muito para entrar na pesquisa de fato, primeiro com os quatro, cinco anos de graduação, aí entram para o mestrado, depois doutorado. Com a forma como vêm sendo formados atualmente, apresentam baixa maturidade para fazerem seus próprios projetos, e nós queremos formar cientistas desde cedo. Esse é um desafio, acelerar esse processo.
A Ilum busca uma formação precoce de cientistas e pesquisadores, com um curso integral de três anos de duração. É uma formação bastante intensa, com uma forte base matemática e da Ciência de Dados (como inteligência artificial e machine learning) aplicados à física, biologia, química e com formação humanística.
Queremos formar pesquisadores jovens, com a curiosidade característica da juventude.
O maior desafio é crescermos de modo sustentável e com investimentos em educação.
O senhor poderia traçar um perfil desses estudantes ingressantes na Ilum?
Temos 40 alunos na primeira turma da Ilum, jovens que vieram de vários pontos do País, lugares como o Pará, Goiás, Ceará, Minas, Rio, Mato Grosso, Santa Catarina, muitos paulistas, e outros. Todas as cinco regiões do Brasil estão representadas entre os nossos alunos.
São jovens com idade média entre 18 e 19 anos, e metade deles cursou o Ensino Médio em escolas públicas. Boa parte participou anteriormente de projetos relacionados à ciência, olimpíadas, enfim, são interessados na área. Em geral, a turma é bastante questionadora, e a metodologia pedagógica da Ilum estimula essa característica. O cientista precisa ter ideias próprias, precisa ter senso crítico.
Também nos surpreendemos positivamente com o número de meninas na turma. São 50%, um número expressivo em cursos das áreas de ciência.
Agora em agosto, vamos iniciar as inscrições para o próximo processo seletivo. E o perfil de estudantes que pretendemos atrair são os curiosos, inquietos, questionadores e que gostem da ciência de modo geral, de todas as áreas, matemática, física, biologia, química, computação.
Mesmo com redução drástica dos investimentos em pesquisa no País, a produção científica brasileira segue crescendo? Os trabalhos e publicações científicas do Brasil ocupam que posição no comparativo mundial?
O Brasil tem avançado bastante. Desde o início dos anos 2000, temos crescido nas publicações em números totais em revistas indexadas, estamos entre os 15 primeiros países, mas ainda temos um impacto mediano das nossas publicações. A participação do país ficou em torno de 3% da produção mundial. Ainda temos muito a fazer, mas estamos caminhando nesta direção. Com todo o desenvolvimento no início deste século, ainda o apoio em ciência e tecnologia é baixo para um país que é a nona economia do mundo.
Precisamos de maior participação da iniciativa privada nos investimentos em C&T e de um plano de investimentos públicos que possa ser executado de forma estratégica e continuada.
Conheça Adalberto Fazzio
Professor titular do Instituto de Física da USP (aposentado), professor Honoris Causa da UFABC. Atualmente, é o diretor da Ilum Escola de Ciência. É pesquisador I-A do CNPq.
Ocupou os cargos de secretário, secretário-geral, vice-presidente e presidente da Sociedade Brasileira de Física (SBF) e também de conselheiro da SBF. Foi chefe do Departamento de Física dos Materiais e Mecânica, e diretor do Instituto de Física da USP.
É membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC), dos conselhos do CTI e Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), e do Conselho do Instituto de Estudos Avançado e Estratégico da UFSCar.
Em 2006, recebeu a comenda da Ordem Nacional do Mérito Científico e, em 2010, foi promovido à Classe da Grã-Cruz.
Foi membro do Conselho Superior da Capes, reitor da Universidade Federal do ABC, secretário adjunto da Secretaria de Desenvolvimento Tecnológico e Inovação do MCTI, e diretor do Laboratório Nacional de Nanotecnologia (LNNano/CNPEM). Em 2013, foi eleito Membro da TWAS (The World Academy of Sciences).
Sua área de atuação é voltada para a Física da Matéria Condensada, atualmente trabalhando em propriedades de nanomateriais, isolantes topológicos e aprendizado de máquina para descobertas de novos materiais.
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