A Câmara dos Deputados aprovou, após quatro meses de tramitação e discussões, no dia 26/10/2023, o Projeto de Lei 3466/23, que institui o Dia Nacional do Hematologista e Hemoterapeuta, a ser celebrado em 29 de outubro. O texto seguiu para análise do Senado e deverá ser promulgado em futuro próximo.
O parecer favorável do relator, deputado Weliton Prado (Solidariedade-MG), foi lido em Plenário pelo deputado Osmar Terra (MDB-RS). “Esses profissionais são essenciais em toda a cadeia que envolve a coleta, a doação de sangue e os hemoderivados”, afirmou Prado. “Muitas doenças que envolvem os componentes do sangue, que há poucos anos tinham altas taxas de mortalidade, hoje são curáveis graças aos hematologistas e hemoterapeutas”, disse o autor da proposta, deputado Celso Russomanno (Republicanos-SP).
No dia 29 de outubro de 2008, data histórica para nossa especialidade, houve a fusão entre a Sociedade Brasileira de Hematologia e Hemoterapia e Colégio Brasileiro de Hematologia, dando origem à Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular – ABHH (1). Esta foi a motivação da escolha desta data para a celebração do “Dia do Hematologista”.
As entidades que geraram esta fusão são antigas e muito tradicionais. A Sociedade Brasileira de Hematologia e Hemoterapia (SBHH), órgão afilhado da Associação Médica Brasileira (AMB) foi fundada em 1950 e é mais antiga, por exemplo, que a Sociedade Americana de Hematologia (ASH). O Colégio Brasileiro de Hematologia (CBH) foi fundado em 1965. Portanto, ambas as entidades eram tradicionais e já prestavam extraordinários serviços à comunidade e à sociedade antes mesmo da concretização da fusão.
Aliás, esta fusão é um raro exemplo dentre as entidades associativas. Ela só foi possível devido a uma grande capacidade de articulação e de entendimento entre os dirigentes da época que abriram mão de seus espaços em favor de uma entidade mais forte e representativa da comunidade médica e multiprofissional hematológica e com um cronograma que possibilitou que o processo institucional fosse controlado e exitoso.
Sabemos, e isto é muito de nossa cultura, que as corporações não costumam abrir mão de seus espaços de poder e de influência e isto aconteceu com a SBHH e CBH gerando a ABHH, nesse dia 29/10/2008.
Passados 15 anos da fusão, o que temos é uma ABHH forte e respeitada em termos científicos, educacionais, políticos e corporativos. Acabamos de realizar um Congresso (HEMO2023), em São Paulo, com mais de 7300 participantes. Um recorde absoluto. Temos uma revista internacionalizada e com ótimo fator de impacto (WoS – 2,1), a Hematology, Transfusion and Cell Therapy (HTCT).
Nossa revista científica é a única em nossa especialidade no hemisfério sul e tem sido alvo de grande interesse por parte dos pesquisadores dos cinco continentes para suas publicações científicas. É ainda uma revista de acesso livre (open access) para publicações e leitura, paga integralmente pela ABHH.
Do ponto de vista histórico, a Hematologia tem evoluído através das últimas décadas e tem sido uma especialidade fundamental em inúmeras áreas da clínica, laboratório, pesquisa e educação em vários níveis. A Hematologia tem tido papel significante na oncologia, na hemostasia, nas doenças genéticas, nas terapias celular e gênica e na área da medicina transfusional.
Uma característica quase única na transfusão sanguínea, que é fundamental à medicina moderna, é ela foi assumida e desenvolvida no Brasil dentro do contexto da Hematologia. Hoje, no Brasil, a Hematologia e Hemoterapia são a mesma especialidade. Isto foi importante para que, em passado recente, pudéssemos enfrentar uma outra pandemia onde a transfusão sanguínea foi alvo de muitas críticas e problemas dentro da saúde pública que foi a epidemia do vírus HIV.
O modelo brasileiro é quase único no planeta e foi determinante para termos hoje a hemoterapia de ótima qualidade, reconhecida em nosso país e pela comunidade científica através do mundo. Nosso modelo fez com que tivéssemos inúmeras cooperações através dos cinco continentes.
Nossa especialidade tem permitido ainda grande integração com outras especialidades médicas e profissões, principalmente da área da saúde. Temos o multiprofissionalismo e interdisciplinariedade como base para a excelência em todas ações. Hoje ninguém trabalha sozinho. Todos nós dependemos uns dos outros, tanto na ciência, como na educação e na assistência aos pacientes.
A Hematologia tem ainda a característica de oferecer um grande espectro de oportunidades aos profissionais. Assim, é possível que o hematologista possa ser um clínico e atue em diversas áreas do conhecimento; ele pode ser um profissional de laboratório, pode ser um hemoterapeuta atuando em Hemocentros ou em Centros de Hemoterapia públicos ou privados; pode atuar na área pediátrica; realizar transplantes de medula óssea, ser pesquisador básico ou clínico, etc. etc.
Enfim, a Hematologia oferece grandes alternativas ao exercício profissional.
A especialidade tem trabalhado fortemente na busca da equidade e da diversidade. Tem atuado na comunicação correta através dos seus vários canais oferecendo sempre a boa informação, dentro do estado-da-arte. Tem oferecido alternativas e soluções aos poderes constituídos com isenção e compromisso público. Tem ajudado os órgãos de regulação a fazerem as melhores escolhas e incorporações.
Sempre com absoluta isenção e sem conflitos de interesses. Mas, tudo isto não teria a menor importância se não fosse, sempre e incondicionalmente, a favor de nossos pacientes e nossa sociedade. É muito difícil em apenas um artigo lembramos de todas as potencialidades e os avanços de nossa especialidade. Assim no dia 29 de outubro, em todos os anos, poderemos lembrar e celebrar nosso trabalho e renovar nossos compromissos.
(1)- Fonte: Agência Câmara de Notícias
Carmino Antônio De Souza é professor titular da Unicamp. Foi secretário de saúde do estado de São Paulo na década de 1990 (1993-1994), da cidade de Campinas entre 2013 e 2020 e Secretário-executivo da secretaria extraordinária de ciência, pesquisa e desenvolvimento em saúde do governo do estado de São Paulo em 2022. Diretor Científico da Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular. Atual presidente do Conselho de Curadores da Fundação Butantan.
José Eduardo Bernardes é médico hematologista, médico assistente de Hematologia Pediátrica do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo de Ribeirão Preto (HCRP-USP) e presidente do Conselho Deliberativo da Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular.