A onda de calor extremo nos últimos dias não deixou dúvidas para os brasileiros. Muito menos para os que moram na Amazônia, onde ocorre mais uma seca histórica – na região com maior volume de água doce do planeta!
Turbinadas pelo El Niño, as mudanças climáticas vieram para ficar e serão aceleradas, na medida em que os governantes não se acertam com medidas efetivas para a redução da emissão dos gases de efeito estufa. E não se acertam porque os grandes interesses políticos e corporativos não deixam.
O panorama de ceticismo com o futuro da Terra ficou evidente por ocasião da recente Assembleia Geral da ONU e, principalmente, durante o evento chamado de Cúpula da Ambição Climática. Foi uma reunião convocada pelo secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, com a participação dos países em desenvolvimento e os mais pobres, além daqueles que não estão no clube dos maiores emissores de gases derivados da queima de combustíveis fósseis.
Assim, não participaram China, Estados Unidos e Índia, pela ordem os maiores emissores de gases de efeito estufa, Quanto aos que participaram da Cúpula da Ambição Climática, há pouco a comemorar.
Alguns países, como a Alemanha e a Espanha, anunciaram o aumento de contribuição para o Fundo Verde para o Clima, que financia ações de descarbonização da economia. Outra ação positiva foi a assinatura, por 67 países, de um pacto pela proteção dos oceanos, com ações mais decisivas pela despoluição e conservação da biodiversidade.
Entretanto, nada que fizesse brilhar os olhos dos ambientalistas que acompanharam o evento. O Brasil, que tinha uma participação muito esperada, de fato confirmou a retomada das metas de redução de emissões, que tinham sido reduzidas de modo substancial no governo de Jair Bolsonaro. Entretanto, as metas retomadas são as mesmas de 2015, e não mais do que isso, pelo menos por enquanto. Uma volta ao passado que significa um passo adiante, como ressaltou uma análise do Observatório do Clima.
Será que o Brasil de fato conseguirá assumir um papel decisivo na transição energética, com vêm propagando alguns setores do governo Lula?
Com combustíveis renováveis, com incremento do uso de fontes como energia solar e eólica, respeitados os interesses das comunidades onde os projetos estão inseridos? Ou prevalecerão os interesses por trás de projetos como a exploração de petróleo no litoral da Amazônia, por exemplo? Dúvidas no ar, vamos ver o que acontece.
O fato é que a Cúpula da Ambição Climática foi caracterizada pela falta de ambição. Isso em um momento em que os motores da aceleração do clima estão plenamente a vapor, como mostram os recentes eventos extremos em todas as partes do mundo.
Agora a expectativa fica por conta da COP-28, que será realizada no final do ano em um lugar nada promissor para esse tipo de evento: Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, grande produtor de petróleo. Um rápido balanço do que tem ocorrido em termos de emissões de gases estufa mostra que os desafios são gigantescos.
Nada vai mudar, por exemplo, se os três maiores emissores de gases não tomarem medidas concretas de redução. Os 42,6% que, juntos, China, EUA e Índia emitem, representam quase 20 vezes mais do que os 2,9% do total de emissões derivados dos 100 países mais pobres.
As emissões globais têm aumentado muito nas últimas décadas. Somente o período de 1990 para cá é responsável por mais de 40% das emissões líquidas históricas, que começaram no início da Revolução Industrial, final do século 18. As emissões anuais também crescem aceleradamente. Em 1981, foram emitidas 19 gigatoneladas de carbono equivalente. Em 2021, foram emitidas 37 toneladas de carbono equivalente.
Não há como, desse jeito, alcançar a meta de aumento de no máximo 1,5 grau de temperatura até o final do século, conforme o Acordo de Paris de 2015. Isso ficou claro em um relatório que a própria ONU lançou antes da Assembleia Geral e da Cúpula da Ambição Climática.
Enquanto os esforços pela redução não prosperam, resta a urgência de adaptação às mudanças climáticas, como ficou claro na recente tragédia ocorrida no Rio Grande do Sul.
Ou seja, com tem lembrado o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), mesmo que “as torneiras das emissões” se fechassem agora, o que não ocorrerá, os impactos das emissões históricas, acumuladas na atmosfera, ainda continuarão ocorrendo por décadas.
O PNUMA estima os custos anuais de adaptação às mudanças climáticas em 140 a 300 bilhões de dólares até o final dessa década e de 280 a 500 bilhões de dólares até o final da década de 2050. É muito dinheiro e não se sabe de onde ele sairá.
A corrida já começou há muito tempo. Enquanto os países, os estados, as cidades, não se prepararem e muito rapidamente, os efeitos de enchentes ou secas prolongadas continuarão. Com vítimas fatais em volume cada vez maior. É hora de um movimento muito mais forte da cidadania global, para que assunto tão sério não fique somente nas mãos daqueles que costumam fazer reuniões para marcar a próxima reunião, enquanto a sua casa pega fogo.
José Pedro Martins é jornalista, escritor e consultor de comunicação. Com premiações nacionais e internacionais, é um dos profissionais especializados em meio ambiente mais prestigiados do País. E-mail: [email protected]