Como aconteceu, acho, com muitos brasileiros, a primeira vez que ouvi falar de Pantanal, quando criança, foi em momentos associados à pescaria. Mais exatamente, as pescarias que meu padrinho adorava fazer na região.
A imagem que eu formava em minha mente, após as histórias que ouvia enquanto os peixes eram preparados, era de um lugar absurdamente coberto por matas, recheado de bichos e perigos de vários tipos.
Mais tarde, como jornalista, e um jornalista que logo se interessou pelas questões ambientais, tive oportunidade de algumas visitas a áreas do Pantanal e o que presenciei… Bem, nada como a realidade.
A visão do Paraíso, sim, foi a impressão que tive no sobrevoo com aquele aviãozinho frágil e intrépido. Os vôos do tuiuiú, com suas asas podendo chegar a dois metros, aquela infinidade de jacarés, antas, tatus-canastra e outras tantas espécies ameaçadas de extinção como que clamando mais tempo na beleza da vida.
Sim, porque se de um lado a imagem da infância, de um lugar ainda totalmente selvagem, de certa forma se confirmava, com uma exuberância que eu não podia imaginar, por outro, os perigos que eu suspeitava também estavam lá. Mas não eram perigos vindos dos bichos, nada disso.
O grande perigo que eu testemunhei nessas idas ao Pantanal se chamava crescimento a qualquer custo, ou exploração sem medida. Já eram evidentes, nessas viagens, os sinais da destruição, fruto da ganância desmesurada, da ocupação desordenada daquela impressionante reserva de vida.
Historicamente o Pantanal foi sinônimo de pesca e pecuária, mas, recentemente, novos ciclos econômicos estão se impondo. O turismo intensivo e às vezes ostensivo, a mineração em alguns casos desregrada e, em particular, a agricultura sem limites.
Somado a tudo isso, uma estrutura de fiscalização e controle insuficiente diante daquele bioma gigantesco, assim como acontece na Amazônia. O Estado, aqui considerados os governos federal, estaduais e municipais, não tem até o momento uma estrutura à altura da tarefa de proteger aquele manancial de vida em abundância. E incêndios criminosos é o que não falta, infelizmente.
O resultado é o que vemos anos após anos, e agora está se repetindo, diante de nossos olhos, atônitos, diante da televisão ou das telas de celulares. O Pantanal está em chamas, e de incêndios com uma virulência cada vez mais assustadora.
Com o pano de fundo das mudanças climáticas que provocam eventos extremos, como a seca histórica que atinge a região há alguns meses, o Pantanal arde e chora em velocidade estonteante. Entre primeiro de janeiro deste ano e o último dia 22 de junho, o fogo tinha atingido 576,1 mil hectares pantaneiros, conforme dados do Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais (LASA) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Pois no dia 23, domingo, já era de 627 mil hectares o total de área queimada pelas chamas, segundo o mesmo LASA/UFRJ.
As cenas se repetem e para muitos a atual temporada de incêndios no Pantanal pode até superar aquela terrível de 2020. O que vemos são as corajosas brigadas tentando apagar alguns focos, muitas vezes sem sucesso, ou imagens como aquela de uma festa junina em Corumbá, tendo no horizonte a visão de uma muralha de fogo.
Há poucas semanas foram as enchentes no Rio Grande do Sul, provocando destruição sem igual. Agora essa tragédia de fogo no Pantanal, enquanto uma seca intensa continua atingindo também a Amazônia.
As mudanças climáticas vieram para ficar e, com elas, os eventos climáticos extremos, e nenhuma região do planeta está livre. Mas falar disso não é nenhuma novidade mais. A novidade, alvissareira, seria um conjunto de atitudes práticas, ousadas e suprapartidárias, visando o interesse comum, a proteção do patrimônio natural inigualável do Brasil.
Ainda otimista por princípio, embora cada vez mais cético por cognição e observação, vou continuar cultivando a esperança, inspirado por um exemplo que presenciei em uma das visitas ao Pantanal. Mais exatamente, ao Hotel SESC Porto Cercado, localizado a 45 km de Poconé e a 145 km de Cuiabá, em pleno Pantanal Matogrossense.
O Hotel está situado em uma Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) de 106.644 hectares, mantida pelo SESC. Esta é a primeira RPPN do Brasil inscrita como Sítio Ramsar, nos termos da Convenção Ramsar de proteção das áreas úmidas. Os passeios pelo rio Cuiabá e São Lourenço são inesquecíveis, sobretudo aqueles de madrugada, sob a vigilância dos jacarés.
Mas uma das experiências mais marcantes de quem passa por ali é entrar no borboletário, um exemplo de preservação ambiental aliada à geração de renda. Homens e principalmente mulheres, reunidas na Associação dos Criadores de Borboletas de Poconé, recebem ovos coletados no borboletário e cuidam das crisálidas ou pupas, que são as borboletas em fase de larvas e casulos.
As crisálidas retornam então ao borboletário, onde ocorre a eclosão, a maravilha que é o nascimento de uma borboleta. São 20 a 30 espécies protegidas, que podem ser apreciadas no borboletário, onde monitores fornecem todas as explicações necessárias. Cerca de 25 famílias vivem dessa atividade, uma contribuição anônima e essencial para a proteção das borboletas do Pantanal.
O município de Poconé, que teve uma importante e impactante exploração de ouro, agora é exemplo de apoio popular à preservação da biodiversidade, base da vida – ao som dos Mascarados de Poconé, grupo cultural conhecido em termos nacionais e internacionais.
Áreas de Poconé também foram muito castigadas pelas queimadas nos últimos dias. Que o amor daquelas pessoas pelas borboletas seja uma inspiração para a resistência e vislumbre de dias melhores, distantes da falência civilizatória em curso.
José Pedro Martins é jornalista, escritor e consultor de comunicação. Com premiações nacionais e internacionais, é um dos profissionais especializados em meio ambiente mais prestigiados do País. E-mail: [email protected]