Para quem não desfruta de intimidade (que é o caso) com o universo de “Pantera Negra: Wakanda Para Sempre” (Black Panther: Wakanda Forever, EUA. 2022, aventura, 2h41 min.), de Ryan Coogler, a primeira impressão é a de que os produtores/diretor fizeram a coisa certa. Comecemos pela trilha. No lugar da música grandiosa e onipresente, mas anódina que marcou os blockbusters nos últimos muitos anos, em especial produções de super-heróis, o trabalho do sueco Ludwig Göransson se revela exemplar na trilha propriamente dita, usada para sublinhar passagens importantes da narrativa (como deve ser) e composta de melodias e execuções contidas e bonitas.
Mas, além disso, incluiu músicas específicas, quase sempre cantadas, para marcar instantes decisivos do filme. Caso de “Àrboles Bajo el Mar” (Vivir Quintana e Mare Advertencia), majestosa composição xamânica que marca o encontro de Riri (Dominique Thorne) com anciã mexicana. Há outras dezoito, mas, como registro, destaque-se o belo rap “Interlude” (Stormzy), “Coming Back for You (Fireboy DML) e, da não menos cativante, “Lift me Up”, interpretada por Rihanna, e que fecha o filme.
A seleção abarca ritmos, sons, batidas, instrumentações e musicalidade de lugares distintos do planeta, que acaba por resumir a dimensão de diversidade a que o filme se propõe.
E o elenco espelha essa diversidade reunindo atores negros (a maioria) e brancos, e personagens de nacionalidades procedentes de lugares reais, como México, Haiti e Ilha da Madeira, a ficcionais, como o país descrito no título do filme, além de Atlantis, localizada nas profundezas do mar. E, claro, há exercício constante de idiomas habituais e poucos conhecidos junto a dialetos característicos.
No passado, os cinemas locais olhavam para si mesmos em constante busca pelo entendimento cultural próprio. Porém, na condição de império, os Estados Unidos estabeleceram um cinema hegemônico e espalharam a cultura norte-americana pelo mundo.
Porém, para continuar dominante, tiveram de se adaptar ao princípio de que existem muitas culturas e nenhuma é maior ou melhor que a outra. E, a fim de atender demandas do mundo global, descobriram a necessidade de dar atenção a vozes, tons, sotaques, sons, cores, modos e procedências de todos os lados.
“Pantera Negra: Wakanda Para Sempre” representa essa hegemonia, pois congrega inúmeras diferenças culturais pautadas pela abrangência, diversidade e arejamento. Mas, apesar da “benevolência”, no campo cultural, a chamada América continua a pensar no dinheiro vindo das produções milionárias e, no político-econômico, seguem ambiciosos por conquistar riquezas materiais localizadas no quintal alheio.
Entretanto, o relevante não é o dinheiro auferido, mas a percepção de que eles não são únicos nem autossuficientes o bastante – daí, entenderam que no quintal do outro do referido mundo global há, sim, recursos econômicos e políticos, mas, também, enorme riqueza cultural.
O roteiro do próprio diretor com Joe Robert Cole ratifica essa noção ao revelar os três espaços onde se dão as ações. De um lado, o império capitalista branco interessado em explorar o vibranium, o metal mais forte do mundo.
De outro, Wakanda, até então comandado por T’Challa (o ator Chadwick Boseman, que morreu de câncer em 2020) e, agora, liderado pelas mulheres Ramonda (Angela Bassett) e Shuri (Letitia Wright) – esposa e irmã dele. E, por fim, Atlantis, comandada pelo rei Namor (Tenoch Huerta).
Não se nota ousadias nesse roteiro porque ele cumpre um padrão da produção do gênero, mas concretiza bem o papel de colocar em oposição as três dimensões da história e, mesmo, previsíveis, cria bons conflitos e satisfatórios desfechos.
A direção, sim, se destaca por ser comedida no uso do efeito especial – quase sempre maior e mais imponente que o próprio filme nas produções desse tipo de filme. Claro que há muitos efeitos, mas eles estão a serviço da narrativa, enquanto a cinematografia de Autumn Durald empresta beleza a momentos apropriados e emoldura instantes solenes – caso do citado encontro de Riri com a anciã mexicana.
Somados todos estes ingredientes, não se pode esquecer, obviamente, que o filme se presta a merecida homenagem a Chadwick Boseman, marcada por emocionante ritual funerário na abertura e por final clássico quando o assunto é cinema de super-heróis: sim, haverá continuação. Chadwick Boseman deve ter curtido.
O filme está em cartaz nos cinemas
João Nunes é jornalista e crítico de cinema