Por força do ofício, tenho que escrever algo sobre o dia Internacional da Mulher. Ou das mulheres. Cronista que se preza não pode fugir de alguns assuntos existenciais. É como não escrever sobre o Dia das Mães, do Pai, e, se bem me lembro, das Crianças, Avós, Índios, e lá sei eu de quantos mais. Mas ninguém sabe quando é o dia do cronista. Ele é apenas um passante pelas calçadas, assim como eu, apenas tentando sobreviver com as suas emoções.
Engaveto saquinhos de supermercado. Pausa para enrolar saquinho. São muitos, quase cinquenta deles. E em cada um vou enrolando palavras para uma crônica. E assim a vida segue e vou eu seguindo com os saquinhos que tenho que enrolar pela vida. É assim a dita vida familiar. Alguém manda e a gente obedece.
E os saquinhos estão guardados em seus devidos sacos: um para o lixo; outro para a pia da cozinha; outro para o lixo reciclável; mas nenhum para guardar o lixo que andei juntando vida afora.
A cunhada Cida está em casa. É uma senhora intérprete de longos poemas. Tem uma voz maravilhosa, dicção perfeita, forte, capaz de fazer os anjos se emocionarem, do Diabo tapar os ouvidos, de Deus sentir orgulho pelo que criou. E aqui não há exagero algum. Apenas um pouco de saudade pela sua pouca ausência.
Ela foi com a sua mana tomar um chá aqui por perto da velha fábrica de Chapéus Cury. Conheço o lugar na velha Baronesa Geraldo de Resende, incrustado em um velho casario da rua. Morei ali por perto durante quase vinte anos e muito passei por lá. A fábrica fechou e nunca mais fui tomar café com o Guilmer Cury, um dos herdeiros chapeleiros. Estamos desapartados há mais de trinta anos. E sempre quando ponho um chapéu lembro do velho amigo. Não sei dele e acho que ele também não sabe de mim; apenas nos apartamos em algum momento da prensa do chapéu e nos separamos da xícara de café, dos enormes postais da fábrica, da delicadeza dos pelos de coelho virando um elegante objeto.
Ninguém quer saber das miudezas que carrego pela vida. Apenas as carrego como um bom fardo que tenho que levar nos ombros da memória. E faço o ofício com prazer; antes pelo que herdei pelo meu tempo; outro em nome do amigo que ainda mora em mim.
E a cunhada Cida e a minha brava e bela companheira foram tomar um chá à companhia dos Chapéus Cury. E assim fiquei ensaudado no apartamento e tentando entender o que leva uma pessoa a colocar um chapéu na cabeça. Tenho chapéu e uso. Mas não tenho entendimento sobre o assunto. Mas sempre lembro do amigo Guilmer Cury, muito jovem, elegante, que nunca usou um chapéu que a família fabricava. Lembro disso e me arrependo por nunca perguntar. Mas ainda aguardo o momento de encontra-lo por aí. E, quem sabe, vamos nos cumprimentar com a mesma elegância de décadas atrás. E sem chapéu.