O governo Lula nem bem começou e a configuração política estabelecida em Brasília no início do ano já é impactada com novas projeções em apenas dez dias depois da posse. O fator detonador desse processo foram os atos de vandalismo protagonizados por bolsonaristas no prédio dos três poderes em Brasília. A indignação nacional (e mundial) resultante da violência, que causou a depredação do patrimônio público, aponta para um cenário no qual o equilíbrio de forças é radicalmente afetado.
Uma pesquisa da Atlas Intel, divulgada na última terça-feira (10), mostra que 75,8% dos brasileiros são contra a invasão dos Três Poderes, em Brasília. O levantamento também expõe que 50,2% dos entrevistados acreditam que Jair Bolsonaro é responsável pelo ataque contra o Estado Democrático de Direto, enquanto outros 42,7% discordam desta tese. Os números, apoiados ao discurso condenatório à invasão de Brasília por parte de aliados de Bolsonaro, mostram o enfraquecimento político do ex-presidente e a consequente fragilização da direita brasileira. Se antes existia um equilíbrio de forças em função do conjunto dos partidos que integram o Congresso Nacional, hoje o governo Lula encontra, em tese, um horizonte menos nebuloso para a esquerda comandar os destinos do país.
O cientista político e professor da PUC-Campinas Vitor Barletta acredita que a nova configuração política vai se desenhar na prática a partir do desmembramento das investigações da Polícia Federal relativas à invasão do prédio dos Três Poderes, em Brasília. No entanto, concorda que a tendência é forte de que o País caminhe com base em um governo de esquerda fortalecido em contrapartida a uma oposição em reconstrução. E defende a tese a partir de duas situações: o desgaste dos aliados de Bolsonaro e, do outro lado, a habilidade política do presidente Lula.
“O protagonismo do Bolsonaro diminuiu muito”, avalia Barletta. “Seus aliados já demonstram desgaste por ter que justificar ações radicais e, ao mesmo tempo, afagar os grupos responsáveis por esses atos.” Para Barletta, o discurso dos últimos dias já aponta para uma direita que busca se reinventar. Na reunião de Lula com os governadores de Estado e do Distrito Federal na noite da última segunda-feira (9), um dia após os atos terroristas, Tarcísio de Freitas (Republicanos), representante do Executivo de São Paulo e aliado de Bolsonaro, pregou a paz no País.
“A reunião de hoje (segunda) significa que a democracia brasileira vai se tornar, depois dos episódios (terroristas) de ontem (domingo), ainda mais forte. A pacificação demanda gestos de todos, do Judiciário, do Legislativo, do Executivo, dos estados. A gente tem que aprender a construir gestos para que a gente possa ter, no final das contas, desenvolvimento e dignidade, que só serão alcançados por meio do diálogo”, disse Freitas na reunião.
Segundo o cientista político da PUC, a dificuldade da direita em um processo de renovação é encontrar em seu atual quadro uma liderança tão forte como a de Bolsonaro. “Tudo indica que teremos um período de disputa interna para ver quem vai assumir o protagonismo”, avalia Barletta.
E enquanto a direita terá que se dividir entre fazer oposição e repensar seus atos, a esquerda avança calcada na experiência de quem já governou o País por oito anos. Após a reunião com os governadores, Lula desceu a rampa do Palácio do Planalto junto com as lideranças estaduais, ministros do Superior Tribunal Federal (STF) e parlamentares. O ato simbólico em resposta ao terrorismo incluiu ainda caminhada até a Praça dos Três Poderes e à Corte.
“Até o momento, o Lula está sabendo usar todo seu capital político e sua experiência para aglutinar apoio”, comenta Barletta, que finaliza: “O caminho está aberto para uma nova configuração política. Os próximos passos do governo, como o resultado das investigações após os atos terroristas em Brasília, serão cruciais para o estabelecimento do modelo de forças que prevalecerá.”